Estátua de Carlos Drummond em Copacabana (Rio), de Leo Santana, com um verso do poema "Mas viveremos"
AO POETA
Talvez ao poeta baste o ritmo das palavras
em desafios murmurantes e os gritos explosivos;
o desafio do andor carregado e a luz introduzida
sob o manto; ser o ocorrido e a versão descontrolada
do início: indícios não bastam ao poeta
que continua e termina e recomeça.
Talvez ao poeta baste a incompreensão
dos ares satisfeitos dos bonecos alçados
à condição de estetas; profetas
em voz alta ensaiam temas preferidos
aos tontos espíritos desnecessários.
Talvez baste ao poeta a sensação de antes
de a matéria ser solidificada e flutue em asas
descobertas aos ventos de solidário espaço.
Talvez ao poeta baste o atentar sereno
das noites antagônicas e os dizeres gravados
nos panfletos que são entregues anônimos.
Talvez baste ao poeta o fruir da fruta ao gosto
menos azedo das notícias participando mortes
antes do tempo (todo o tempo é antes) previsto
na antecipação frígida das esperas.
Talvez ao poeta baste levantar a mão e pedir
ao garçom a bebida de sempre, a comida
deixada sobre o prato, o distrato entre amigos
após a ceia: cada um em seus afazeres.
Talvez ao poeta baste saber-se nu diante da hora
acertada para a volta; ser da revolta o ânimo
e da crueldade explicitada em nomes o anônimo
revoar das aves; sobre as aves ao poeta cabe
recriminar a mão que oferece o pouco.
Talvez baste ao poeta ser poeta. Adivinhar no texto
a descoloração do átimo, o pátio de desertadas árvores
infrutíferas; o desfolhar do outono, o renascer
primaveril das flores em pétalas abertas.
Talvez ao poeta baste discorrer em mãos agitadas
ao vazio sobre a perdição, a contrição, a educação
adulterada em números e cientificamente expor
ao todo o menos; ao menos cabe o protesto.
Talvez ao poeta baste a consecução do plano
invertido em sonhos de descidas aos infernos
particularizados no extrato do infortúnio;
ser seu próprio oposto de reescritas notas
no esforço desconcentrado ao nada.
Talvez baste ao poeta o anúncio do amor distanciado
em dias, meses, anos e décadas: o reencontro
no aperto sentido o grafite quebrando a ponta
como lâmpada queimada: a tortura acompanhada
à porta pelo degredo do segredo sendo revelado.
Talvez ao poeta baste o reconhecimento da presença
e a indiferença rente ao caminho não percorrido;
o banco da praça ocupado pelo corpo despreparado
em ocorrências e a decorrente história mal contada.
Talvez ao poeta baste olhar o perto e retirar o longe
desconhecido em físicos acidentes: a geografia
estanque do planeta; o lento deslocar das placas.
Talvez baste ao poeta a necessidade da urgência
intercalada ao langor do isolamento. Saber ficar
estático e revolver as cinzas em busca do acidente.
Talvez ao poeta baste alisar o pelo do animal
sobre o colo deslocado, descobrir ensinamentos
simiescos ensimesmados aos ensinamentos.
Talvez ao poeta baste possuir a chave enferrujada
da porta secundária por onde entram minotauros
instalados nas peças lendárias dos amantes.
Talvez ao poeta baste realizar o sonho da criança
perdida em crescimento: recuar ao tempo anímico
das paredes sendo preenchidas em riscos
produzindo imagens do dia acondicionado.
Talvez baste ao poeta se desvencilhar da hora
categórica dos negócios, perder o prumo, o rumo,
desviar das pedras rolantes dos embustes; salvar
a pele do desconsolo e o tédio dos amantes.
Talvez ao poeta baste se dizer distante o tanto
permitido, perto o quanto possuir de forças
para se entranhar nas notícias repetidas.
Talvez ao poeta não baste o descobrimento
de novas terras, exija reconhecer a profundeza
espacial dos mares e o executar da sinfonia
dos cometas: em suas caudas, sabe o poeta,
trafegam poeiras estelares.
Pedro Du Bois