Estátua de Carlos Drummond em Copacabana (Rio), de Leo Santana, com um verso do poema "Mas viveremos"

 

Na porta do céu

Bati. São Pedro zangado
Perguntou: – “Quem bate aí?”
“É a alma de um desgraçado,
São Pedro.” – lhe respondi.

“ – Pensas então que esta casa
Seja da sogra, não é?”
“ Mas São Pedro...” E, ardendo em brasa,
Eu mal me sustinha em pé.

“ – Não quero conversa. Todos
Que vem ao céu, são assim:
Prantos, lamúrias, engodos,
Mas não me enganam a mim.

Sempre a mesma cantilena:
Mas São Pedro...Vovô...
Minha culpa foi pequena...
Mas.. na onda eu cá não vou.

Aqui só faço justiça!
Mas, vamos ao que convém:
Quando em vida ias à missa?”
“ – Se fui, não lembro bem...”

“ – Imperdoavel! Contudo,
Sem louvor aos modos teus,
Achando-se Deus em tudo,
Em tudo se adora a Deus.

E ao te deitares, a prece
Fazias com devoção?”
– ”É possível que o fizesse”,
Mas, não me recordo, não.”

– ”Mau, e sobre a carne e o vinho”,
Que me dizes, pecador?”“
– " Dei à carne o meu carinho,
Dei ao vinho o meu amor!"

– ”Que vida infame”! E a virtude,
Jamais a viste sequer?”
– "Amei-a mais que pude
Porque a virtude é mulher!

Mulheres... Ó bem querido
Que no céu ainda me faz
Ter pena de ter morrido...”
– “Cala a boca, Satanás!

E tens tu o atrevimento
De vir assim me falar?
Ah. Já te espera o tormento
No inferno, que é teu lugar...

Afinal, alma indiscreta,
Sem temor, sem fé, sem lei
Que foste em vida?" – “Eu? Poeta...
Que lindas coisas cantei!”

“ – Que? Poeta?” E a porta abrindo
Fez São Pedro um escarcéu:
– “Poeta?! Mas sê bem vindo!
Teu lugar é aqui no céu..."

                                 Edmond Rostant
                                Trad. Belmiro Braga

« Voltar