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ENCANTAÇÃO DA PRIMAVERA

Brotam brotinhos na tarde feita
Só de suspiros:
O amor é um vírus...
Apenas o general de bronze continua de bronze!
O vento desrespeita todos os sinais do tráfego.
Velhinhos de gravata borboleta
Sobem e descem como autogiros.
O guarda do trânsito virou catavento.
As mulheres são de todas as cores como esses
manequins expostos nas vitrinas,
E onde é que estão, me conta, as tuas esperanças
mortas?!
Lá vão elas tão lindas – vestidas de verde
Como Ofélias levadas pelos rios em fora
Enquanto eu nem me atrevo a olhar para o alto:
                                                repara se não é
O Espírito Santo que vem descendo em lento voo
E até ele, até Ele, deve estar, assim – todo irisado
Como os olhos das crianças, como as maravilhosas
                                                  bolinhas de gude!
Não... Deve ser algum disco voador, apenas...
Ou então, uma dessas boas Irmãs de largas toucas
                                                                        brancas,
As mãos ao peito,
E que no céu deslizam como planadores.
Mas olha: mansamente lÁ vem atravessando a rua
Uma linda avozinha com sua neta pela mão.
(Uma avozinha consigo mesma pela mão!)
Bem... depois disto.., não me perguntes nada, nada...

A Primavera mora no País do Agora!

                             ***
Rãzinha verde, tu nem sabes quanto
foi o bem que eu te quis, ao encontrar-te...
tu me deste a alegria franciscana
de não tugires ao sentir meu passo.
Tão linda, tão magrinha, pel e ossos,
decerto ainda nem comeras nada...
minha pequena bailarina pobre!
Se eu fosse bicho... sabe lá que tontos
que verdes amores seriam os nossos...
Mas, se fosses gente, iríamos morar
sob um céu oblíquo de água-furtada,
um céu cara a cara – só nosso –
e aonde apenas chegasse o canto das cigarras
e o vago marulho do mundo afogado...

                             ***
Mario, larga de ti esses berloques
e bandeirolas multicoloridas,
rasga essa fantasia...
e vem lançar teu uivo solitário
às estrelas, acesas e perdidas
por todo esse negror em que, perdidas,
vivem sonhando aonde irão...
e um dia... pode ser que Deus... então
te mostre a verdadeira luz – a Luz Primeira!
Mas tu, enovelando-te que nem um mundo
desses tantos que rolam por aí,
assim te fecharás – de orgulho ou medo
como um bicho-de-conta, em Sua mão...

(E hão de guardar, os dois, o seu segredo!)

                                              Mario Quintana

Do livro, Poesia Completa, in Apontamentos de História Sobrenatural (1976), Editora Nova Aguilar, 2005, RJ

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