Soneto aos 77 anos

Repousar?... Não cogito. Tenho brio
em confeitar com rimas meu cansaço.
Acendo tantas luzes no que faço
que até pareço um fósforo bravio.

Se galopo na insônia?... Sim. E laço,
sendo de amor, o tema mais sadio
(nunca destes que exlatem muito o cio).
Vulgaridade, em mim, não tem espaço.

E tudo às claras que sou fã da auroa,
sou fã do riso e da canção sonora...
Velhice?! Qual?... Não ouço o seu recado.

Eu sinto a vida cada vez mais bela!
E a morte?... Amigos, nem me falem dela!
Morrer não posso. Estou muito ocupado.
 
 

A intrusa

Teimava em me seguir, eu bem que percebia;
Tinha gestos gentis, simpática (não bela).
Não queria assustar-me, andava com cautela,
diferente do andar da grande maioria.

Eu sempre recusei fazer-lhe companhia,
embora esta mulher me fosse sentinela
em horas de descanso. Eu não gostava dela
pela insistência atroz com que me perseguia.

Seu nome? Não sabia. Apelidei-a Intrusa.
Eu lhe fechava a porta, exibindo a recusa
em comigo a reter na partilha do lar.

No espelho, certo dia, atrás de mim postou-se...
Quis irritar-me? Sim. Mas disse com voz doce:
— Eu me chamo Velhice e vim para ficar.

 

Miguel Russowsky

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