MORTE - UM TRATADO ALIENADO
 
Mário Miguel da Rosa Muraro
 
 

O ato mágico do crescimento, a gênese voluntária do saber espelha mui fortemente o ato físico do sepultamento. Na criação e metamorfose do consciente individual, passa o agente/sujeito passivo por uma transformação muito próxima da morte. Morte não vista como simbologia de carne, morte vista como a ruptura de conhecimentos até então considerados matrizes em uma conduta. Não é dado ao vulgo a capacidade de morrer constantemente, também ao sábio é difícil esta bela arte de morrer.
O ato mágico do crescimento, caminha por uma estrada limpa, aberta e disponível, alguns o tomam por uma escada para visualizar uma “subida” em direção ao Saber. Cada degrau conquistado, cada curva vencida. Sua altura, seus sinais, a aspereza das pedras ou do asfalto, os gestos de erguer o pé e subir ou travar tudo, leva constantemente a uma ruptura, tudo leva à morte ao instante anterior e, por si só, cada ato, cada idéia torna-se um renascer constante, torna-se a perfeição espelhada no Eu, a capacidade até então exclusiva de Deus, de criação, de ressurreição. O sopro divino do verbo inicial. A transmutação sistemática análoga ao Eu Sou a Presença Divina.
O ato mágico do conhecimento, como um caminho em busca da superação, como gesto de morte constante, o suicídio como ato mental leva ao vulgo e ao iniciado a força constante do Saber. A constatação inequívoca da grandeza da estrada, a constatação da necessidade de pequenas mortes (rupturas) no caminho. O ato da gênese é único, tão somente o momento inicial de qualquer criação. Um ato tão sublime e de êxtase que se estabelece como manifestação divina. A constatação do homem, dotado de um Saber evoluído, de um Saber acompanhado das condições de morte permanente, do despojamento de “conhecimentos” enraizados e sedimentados como seus, possibilita a este, ser espelho de Seu Deus, ao Eu Sou constante da Presença Divina interna, a realização do ato mágico divino, a realização de algo até então disponível a alguns poucos, a realização do ato mágico do conhecimento em forma de criação de vida. Se pode o iniciado, surgir vida dentro de si constantemente, poderá ele também, por sua prática de Poder na conquista do Saber principal da ressurreição constante, levar aos escolhidos o caminho da afirmação divina. O poder da realização constante do eterno Saber. O poder da constatação imediata de que o Saber não é algo intangível, intocável, não alcançado nos pequenos limites de nosso imaginário.
 O ato mágico do conhecimento, leva ao douto portador do Saber, ao conhecedor da manifestação mais íntima do verbo feito espírito, a manifestação pujante e calórica do verbo em presença divina, a constatação do Saber de poucos. O Saber disponível a todos, “...muitos serão os lembrados, mas poucos serão os escolhidos...”, o Saber transformado em ato, em gesto, em sopro divino e constante. A manutenção dos atos de poder existentes no Saber e, reciprocamente, a manifestação do Saber constante na utilização do Poder, leva este iniciado nos caminhos do conhecimento, a situações constantes e perigosas, leva a situações de risco pelo ato da transmutação do verbo em presença divina. O perigo advindo da transmutação da criatura em criador, do discípulo ultrapassando ao mestre. O perigo existente não somente na morte diária, mas também, a morte física ou moral que pode surgir com o Saber.
O ato mágico do conhecimento, transposto ao ato sublime e divino da morte, da ruptura como algo sofrível e penoso, da morte como perda irrecuperável de algo inatingível, o desconhecimento que advém do ato. Quem sou, Por que sou, aonde vou? O ser por si só, como manifestação da presença divina, como manifestação do verbo feito espírito e sobreposto em carne tem por objetivo a realização suprema, a Grande Obra tão difícil e impossível até então, a realização da transmutação da criatura. A constatação de que o Criador é algo que sempre estará a frente, que sempre será o possuidor do Poder Supremo, o Poder da condução e controle da criatura.
O Poder mágico do conhecimento, como ato de ruptura, de crescimento, de subida. Como ato de morte do vulgo, como gênese do nascimento do iniciado. Aquele que tudo ouve, que tudo vê, aquele que não impõe limites ao procurar o Saber, aquele que, no cuidado constante da Grande Obra, alcança os vôos da águia ao observar suas presas; Possui os olhos do felino ao vislumbrar sua caça; Tem a ternura da mãe ao amamentar seu filho. Aquele que ao expressar seu Saber torna-se tão meigo e tão doce quanto os mais doces, torna-se tão fera e horrível quanto os mais horríveis, aquele que transmuta-se na presença constante de uma ruptura necessária, na âncora de sustentação aos navios do porto, a fortaleza de pedras para os dias de tempestade. Torna-se pois o iniciado, o conhecedor do Saber Supremo, o detentor do poder divino de criação da gênese, da capacidade do renascimento das criaturas. Torna-se, pois, o esteio de uma Obra sem fim, o alicerce mais profundo e seguro na constituição da ponte do Saber, a segurança e a condução na transposição desta ponte. A ponte que surge e que brilha, que fornece a passagem mas desmorona na volta, a ponte que permite a tomada de conhecimento mas não deixa o regresso. A ponte surgida na estrada, como simples pontilhão de passagem solitária, com o riacho do senso comum a cruzar por baixo de sua base, com as árvores das sombras do prazer para degustar o descanso necessário ao viajante, com a poeira a frente na estrada, mostrando o caminho aonde outros já cruzaram e o tempo é cronometrado para a próxima ponte, a próxima parada, o próximo descanso, o próximo prazer.
O poder mágico da morte, como ato de quebra de uma situação, como ato do avanço no campo do Saber é o ato sublime da manifestação do criador, é o ato perfeito da escalada do Saber.  O Ato da morte, tão belo, tão singelo e puro, é o ato constante da perfeição, do crescimento, do Saber. É o ato da transmutação divina do verbo em Eu Sou. É a pedra filosofal no caminho do iniciado, a Grande Obra para os obreiros da luz. A morte como ato permanente, constante e necessário leva ao crescimento do iniciado, leva a superação da própria limitação humana do domínio da vida e da morte, transporta o ser até então cru e inconsciente a um plano metafísico, um plano de busca e aperfeiçoamento. A morte então, como um ato divino da manifestação do Deus em mim, como as folhas a desabrocharem no lindo jardim da primavera, como o sorriso da criança ao receber um afago, como o canto do pássaro ao saudar seu irmão sol, como ato divino, é suprema, é necessária e, principalmente, a morte é linda!!!

 
 
Página atualizada em 22 de outubro de 1998
 

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