É Estou com dor de cabeça. O estado de saúde do
meu ancião cachorro Aragão é delicado. Mas me dirão
que os problemas do mundo nos são muito mais graves. Mas eu sei
que ambos são graves e delicados e igualmente me abalam. Refugio-me
em Chopin ou em Prokofief ou em Beethoven... O calor e as chuvas estão
concomitantes e me exasperam... e como não sou o centro do mundo
e nada no mundo funciona só para mim, tenho que padecer passivamente
neste paraíso. Minha irmã Margarete está numa competição
doentia comigo. Apesar dos meus problemas de saúde, percebo que
tenho uma qualidade de vida melhor do que os outros membros da minha esfacelada
família. Concerto de Fréderic Chopin para piano e orquestra
número um em Ré menor Opus 11. Minha amiga Esmeralda reclama
que em minhas viagens dos últimos 5 anos não lhe tenho mandado
postais. Mas como iria lhe mandar postais de Tabuleiro ou de Piumhi se
tais cidades não têm porte para produzirem postais e só
a estas cidades viajei mais recentemente? Pense um pouco, amiga de Belém,
desde que voltei daí em 1989 eu circulei entre Rio, Minas e São
Paulo, por lugares que já lhe são bem conhecidos e que não
chamariam mais a sua atenção além do simples registro
da minha repassagem pelos mesmos. Lamentarei enormemente se o cartão
que lhe enviei de Montevideo não chegar às suas atenciosas
e carinhosas mãos. O som do piano me harmoniza, me serena. A cachorrinha
Saragoza ia se desacostumando de comer ração e só
estava querendo leite com aveia, frutas e o arroz com legumes misturados
com uma ração diet importada receitada ao ancião Aragão.
Para forçá-la a comer a sua ração novamente
deixei-a só a água e sua ração até que..
voltou a se alimentar como deve. É uma luta, senhor!.. ou senhora?
A extensão para a internet não está funcionando .
Isto me levou a adquirir mais um novo aparelho telefônico. Dívidas,
dívidas e não sei se vou receber o meu salário em
dia. Na semana que vem volto a trabalhar depois de um mês de férias.
Coloquei o chá mate para ferver enquanto continuo ouvindo Chopin...
Este é o meu primeiro texto não manuscrito. Muitos dos meus
manuscritos eu mesmo os rasguei. Não sei se teriam algum valor além
do que eu lhes atribuo. Minha biografia é minha obra ou vice-versa.
A fragmentação da obra e da vida de Fernando Pessoa em dezenas
de heterônimos nos mostra a labiríntica impossibilidade da
unidade no decorrer da procura chamada vida. Temos muitos seres coabitando
em cada um de nós. Quanto mais seres abrigamos dentro de nossa maternal
e paternal persona mais ricamente existimos. Por tanto recorrer à
palavra “labirinto” vocês podem pensar que estou com labirintite,
mas não estou. Neste caso, mais uma vez, Fernando Pessoa tem razão,
só quando estamos maus dos olhos é que pensamos. Jorge Luis
Borges foi condecorado pelo ditador Augusto Pinochet. Borges se considerava
culturalmente um inglês exilado em Buenos Aires? Fernando Pessoa
só rompeu com o fascismo salazarista quando o autoritarismo de Salazar
proibiu a existência das sociedades secretas, entre estas a Franco-Maçonaria
defendida contundentemente por este que está entre os dez maiores
escritores europeus do século XX. Se o século XX começou
só após o fim da primeira guerra mundial (1918) e acabou
com o fim da guerra-fria e com a desestruturação da União
Soviética (segundo o historiador marxista inglês Eric Hobsbawn)
nós já estaríamos no fim da primeira década
do século XXI? Então os séculos têm intensidades
e durabilidades não cronológicas. “Estou murado em minha
estravagância. Que voz divina ou que estranha voz consentira habitar
o meu silêncio?” — indaga Yves Bonnefoy em seu livro Do movimento
e da imobilidade – 1953 – incluído em suas Obras Completas publicado
no Brasil pela Editora Iluminuras. Sem internet fiquei reduzido a pó.
Fiquei tão isolado sem a internet, meu Deus!.. Já sei: estou
viciado em internet. Mais esta!..
Passou um avião por cima da minha casa e eu, já com 47
anos na cacunda, voltei a gritar: —"Ô avião!.. Traz um
neném prá mim!..” Minha cadelinha adora carregar as minhas
sandálias domésticas!.. Ela não é vira-lata,
é uma boxer pé de chinelo!.. A família estadunidense,
a mais rica do mundo, tem uma vizinhança incômoda e pobre
bem ao seu lado, o tempo todo: o México!.. Para uma mulher do filme
canadense O segredo do quarto branco “o mundo todo é uma cozinha.”
Outra personagem do mesmo filme afirmou que “as coisas lindas não
são práticas.”
Não me sinto oprimido pelas melodias das catedrais. Na Catedral
da Imaculada Conceição de Montevideo foi instalado um sistema
de som pelo qual ouvi músicas dos séculos XVIII e XIX enquanto
visitava suas naves e retábulos e nichos e tumbas. Ali parecem querer
me ensinar a fazer o melhor da morte e a postergar a ruptura do ovo de
ouro. (?) Hoje à tarde passei ouvindo e vendo shows de Frank Sinatra.
Isto porque minha mãe me contou que já tenho 2 primas
vivendo nos States.
Nos campos das culturas brasileiras as chamadas “esquerdas” imperam
absolutamente tentando alijarem autoritariamente todos os corpos e objetos
não identificados, todas as vozes dissonantes, como se o melhor
e o mais enriquecedor brotasse do monólogo num deserto. Como disse
Olavo Carvalho no programa Passando a limpo do Boris Casoy, temos uma cena
cultural monopolizada e centralizada pelas esquerdas numa economia e numa
sociedade cada vez mais influenciada e orientada pelo capitalismo globalizante,
como se fosse possível termos duas morais, uma para a arte e outra
para a vida. Os que defendiam este dualismo moral foram os fascistas. Foram?
Para Pasolini a democracia cristã hegemônica na Itália
- pós Segunda guerra é uma prova inequívoca de que
o fascismo não saiu derrotado no fim desta hecatombe militarista
e bélica celebrado entre Maio e Agosto de 1945.
No fundo, estas esquerdas também fazem o jogo de cintura da
indústria cultural massificante. A minha utopia religiosa é
o amor aos animais(entre eles incluindo os animais humanos, claro!..) e
já aliciei pessoas em favor desta linda causa. Para o romancista
e professor João Gilberto Noll, a grande religião americana
é a que se satisfaz com a realização contínua
de avanços tecnológicos num continuum no qual a utopia se
faz carne – máquina, nos trazendo a sensação de que
os nossos sonhos e metas tenham sido concretizados, o que explicariam as
visões estadunidenses sobre o fim da história. E assevera
J. G. Noll: “Eu acho que nós estamos vivendo um momento lacunar,
um momento de impasse profundo. Acho que é preciso colher a substância
desse vácuo. Não adianta você querer preencher esse
vácuo com aderências, com aditivos espalhafatosos porém
postiços. É por isso que a ficção tem que se
confrontar com o chamado irrelevante, com essas sementes do próprio
vácuo, com as intercessões, com os intervalos. Penso que
a obra literária, a obra estética, deve apresentar um convite
para você beber de um fermento ainda ideal mas que quer se fazer
vivo, concreto, efetivo, no corpo mental e afetivo de cada um, no plano
físico.”
Discordo dos que negam os valores todos os valores consagrados no passado
como se os temessem voltando no presente. Para mim os avanços humanos
e civilizatórios não se darão com a simples e infantil
recusa em lidar com o passado que vive e pulsa em cada um de nós.
Sempre seremos filhos do passado. Só os robôcops estão
livres de memórias e do passado. Só para estes seres mecânicos
e eletrônicos a memória é virtual. Para mim é
pura hipocrisia esquerdista a negação simplista da “odisséia
da família” ou o desprezo pelas “almas que faltam no presente.”
Na verdade, em plena informatização do “real”, o grande
espetáculo humano contemporâneo não tem mais as ruas
dos flaneurs baudelaireanos como cenário. E para ser mais exato,
não existem “anônimos”, ninguém se considera anônimo.
Por isso temos até reis e rainhas da cocada preta. É o stablishment
quem cria a figura sem alma do anônimo, o ser que existe sem subjetividade
reconhecida, o indivíduo massificado. Entre na rede que se esparrama
também pelas ruas e você verá que cada um tem o seu
nome, o seu perfil e a sua identidade. Ouviu J. G. Noll? Como disse
Caetano Veloso em seu disco Uns, “ninguém é comum.” À
meia-noite comerei as ameixas que o Walter me trouxe de uma fazenda do
sudoeste mineiro. “Sobre seus ossos o presente é eterno.” (Octavio
Paz).
Segundo Noé Jitrik a idéia de “cânone” estético
-literário não pode desvincular-se da marginalidade enquanto
âmbito ou postura anti-normativa. Já Nicolas Rosa (ambos são
críticos argentinos) acha que o “cânone” deve ser visto como
o preço simbólico que os escritores pagam a seus antecessores
textuais. Outra ensaísta platina, Maria Teresa Gramuglio, deplora
o panorama sombrio das nossas letras, a hegemonia de uma comunidade narrativa
capturada pela convenção canônica, capturada pelo estabelecido,
pelo quase-escolar.
Mireille foi uma prostituta da rue des Moulins na Paris do fim do século
XIX e a modelo amada e preferida pelo pintor Toulouse Lautrec. Convencida
por comerciantes de carnes vindos de Buenos Aires para passeios e aventuras
em Paris, ela migrou para a capital argentina. Deixou Lautrec tão
desolado que este boêmio artista parisiense até paralisou
a pintura da tela na qual retratava o bordel da rue des Moulins onde vivera
Mireille. Quem nos conta esta história é Julio Cortazar em
Un gotán para Lautrec . Cortazar foi um dos animadores do jogo de
espelhos entre Paris e Buenos-Aires. Na capital portenha, Mireille se transformou
na lendária Rubia Mireya, resgatada, pela primeira vez, por Manuel
Romero, autor da letra do tango Tiempos viejos.
Fiquei estarrecido ao ler no caderno Cultura y nación do jornal
argentino Clarin uma entrevista na qual Leônidas Lamborghini revela
o seu peronismo esquerdista. Troquei correspondência com este ex-
exilado escritor argentino em 1998. Para mim foi uma desagradável
surpresa!.. Sinceramente.. Acho que o confundi com Osvaldo Lamborghini.
Só pode ser isto!.. Continuando com as novidades platinas,
Sylvia Saitta e Luis Alberto Romero, em livro recentemente lançado
em Buenos Aires, Grandes entrevistas de la história argentina, esqueceram
de citar as entrevistas feitas pelos editores da revista Crisis nos anos
70 do século XX. Esquecimento? Ou... ..
Mamãe eu quero.. mamãe eu quero.. mamãe eu quero
mamar.. pórtico de um cemitério de uma cidadezinha
do interior de Goiás: “Nós que Aqui estamos por Vós
esperamos!..”... AAHHH!!...Uh!.. A assombração!.. a assombração!..
terminou a música de Chopin.. um lindo noturno!.. Tiau..
A água, o vento, a pedra, o musgo, a árvore, o silêncio,
a efemeridade da vida, a morte.... “As sombras e os sonhos têm o
mesmo peso.” – Yves Bonnefoy. Até as moscas fazem amor? Você
sabia que Jeremy Benthan defendeu a necessidade egoística de todos
virem a ser embalsamados e acolhidos em monumentos auto-icônicos
para si mesmos? Leiam o romance O sensualista da escritora canadense Barbara
Hodgson. Esta romancista assim descreveu o corpo de um de seus personagens:
“uma orquestra inflamada de ferroadas, coceiras e espasmos”. Minha obra-prima
já tem um título: História dos cheiros humanos. Porque
cada vez mais nos comunicamos melhor com outros animais do que com os animais
humanos? A banalização da morte e da vida estão
ocorrendo concomitantemente. As vidas anônimas já extintas
e esquecidas, consideradas sem importância no curso das mudanças
históricas, deram consistência carnal aos grandes acontecimentos
do século XX. Não foram apenas molduras para os grandes
vultos políticos, intelectuais e econômicos do século
XX, esta é a hipótese do pesquisador Marcelo Masagão,
diretor do filme Nós que aqui estamos por vós esperamos .
Conectando macros e micros histórias de poder no plano institucional
e no plano do cotidiano, Masagão vê anônimos, ilustres
ou vips como partes de um mesmo processo. Baixeza e grandeza são
dois parâmetros congêneres, assim como pobreza e riqueza, miséria
e opulência. Parâmetros sempre indissociáveis. Não
só na curta história do século XX. Deste mosaico
informe e caótico de imagens cinematográficas, de telejornais
e de fotografias este cineasta resgata o recheio humano e onírico
da história bem como o fascínio pela morte do Outro, a tendência
novecentista à destruição, o fluxo da pulsão
de morte em meio às danças e alegrias dos anos 20 e 60 do
século XX, em meio a Hiroshima pós- bomba atômica e
aos montes de lixo do mundo inteiro. A faixa literária gay trata
do sublime e das glórias e êxtases do cotidiano? Da apropriação
de bens supremos dos quais ninguém até então se apropriara?
Aos climas de capas e espadas devotados às paixões? Falésias,
fiordes, serviços de correios entre cumes passionais sem futuro
nos locupletam com cargas intensas e insuportáveis de comichões
existenciais. A contemplação da vacuidade seria a grande
marca da efêmera contemporaneidade? Os homens considerados loucos
andam em círculos e as baratas correm em círculos para não
serem massacradas pelo racionalismo retilíneo e estratégico
dos normais. Como encarar a insignificância universal ou a evaporação
do sentido? Voltando a falar com os nossos fantasmas? Ouvindo os libertinos
sádicos ou volvendo à acídia dos monges medievais?
Submetendo-nos aos demônios do meio dia? Vivendo em contínua
insatisfação na qual não amamos mais ninguém?
Conhecer a agitação sem objeto? Desgostar-se ou amar a si
mesmo? “O niilista moderno, Narciso infeliz, olha no fundo da água
sua imagem feita em pedaços.”— Octavio Paz. “Lancei-me na libertinagem.
Mas não amo nem gosto da libertinagem”, assim escrevia o personagem
dostoievskiano Stavrogin à sua também dostoievskiana Daria
Pavlovna em Demônios ou Possuídos. “O Homem, criatura
improvável, pode salvar-se em qualquer momento.” — Dostoievski.
Abjeto a impassibilidade filosófica. “Todos podem salvar-se ou perder-se.”—
Octavio Paz. Os seres insólitos como os santos, as prostitutas ou
prostitutos, os promíscuos, os justos e os criminosos, os livres
e os agraciados são sobre-humanos deslocados de seus tempos e espaços.
Entes do mundo pré-industrial, anjos barrocos ou orgiásticos
cortesãos. “Os sectários não herdaram dos niilistas
a lucidez, mas a incredulidade.”— Octavio Paz. Dostoievski e eu chamamos
os sectários de endemoniados. São como os porcos citados
no Evangelho-São Lucas, VII, 32-36 — aclara Octavio Paz. Para o
personagem dostoievskiano Dimitri Karamazov, “devemos amar mais a vida
que o sentido da vida.” Para Dostoievski a realidade das idéias
lhe trouxe alguma dimensão religiosa para a sua existência.
O nosso coração é um micro motor que pulsa Deus em
nós, nosso cérebro é uma máquina movimentada
pelo Diabo.
“A consciência da cisão é diabólica: estar
possuído significa saber que o eu se rompeu e há um estranho
que usurpa nossa voz. Esse estranho é o Diabo ou nós
mesmos? “ — Octavio Paz. Descrições de processos psíquicos
nos remetem a especulações metafísicas e estas nos
sugerem buscas religiosas que amalgamam o sobrenatural com o rotineiro,
o ridículo, o exótico, o sentimentalismo e o amedrontante.
“Os diabos modernos fazem todo o possível para deixar-nos saber
que vêm de lá, do mundo subterrâneo”. — Octavio Paz.
Os diabos dostoievskianos vêem o parentesco oculto entre o mal e
a enfermidade, entre a possessão e a reflexão, observa o
Prêmio Nobel de Literatura de 1990 e o mais interessante dentre todos
os grandes escritores mexicanos do século XX. O triunfo do racionalismo
argumentativo do Demônio bem como sua auto-negação
sofismática se torna ainda mais aniquilador se reconhecermos que
para acreditar no Diabo não necessitamos acreditar em Deus!... O
azeite espermático está entre os óleos que melhor
untam a máquina da história do cotidiano humano, alcançando
até as altas engrenagens da história institucional da nação
mais poderosa no mundo atual. Refiro-me ao caso Bill Clinton com Mônica
Levinsky. “Há uma espécie imune à sedução
do Diabo: o idéologo. É o homem que extirpou a dualidade.
Não conversa: demonstra, doutrina, refuta, convence, condena.”
— Octavio Paz. Como Dostoievski, amo os humildes e sinto nojo dos pretensos
salvadores salvadores dos pobres. Por isso, Lênin disse a respeito
de Dostoievski: “Não perco tempo com esse lixo.” Os regicidas que
vencem Césares com punhais não vencem o sistemático
e impessoal despotismo ideológico, nos escreveu Octavio Paz. Que
completou: “Não se pode assassinar uma abstração.”
Ameaçado pela crítica, o déspota ideológico
monologa como o faz Fidel Castro em seus prolixos discursos autoritários
que duram mais de cinco ou seis horas contínuas!.. A tirania
do solilóquio dos sádicos professores e pedantes continua
hegemônica na mesmice universitária e escolar brasileira,
latino-americana talvez. Por tudo isto, a obra de Dostoievski é
atual do ponto de vista político e moral. Dostoievski nos ensina,
conclui Octavio Paz, que o homem é uma criatura imprevisível,
escapa a todas as definições e prisões.
Nenhuma continuidade permeia permeia a história da expressividade
humana. Nossas linguagens dependem tanto de nossas micros e macros histórias.
Arte visual é como artesanato amoroso? Quando analisamos os
outros deixamos de ser éticos. Quando ficarmos livres dos
nossos cabelos, símbolos sansônicos de força, estaremos
mais saudavelmente ajustados às nossas frágeis condições
humanas, disseram Dostoievski e Rodrigo Naves. O Brasil há
muito tem sido uma terra do salve-se quem puder. Não foi Fernando
Henrique Cardoso que aqui instalou esta barbárie e nem será
ele sozinho quem a deterá. “Todo poeta está sempre
começando.” — José Castello. O espontâneo leva só
ao conhecido? Para Luiza Mendes Furia, de Caçapava / S.P. , “escrever
é repetir. ; “a poesia está muito influenciada pela Universidade.
Essa não é a minha área.” ; “ o lirismo parece fora
de moda.”; “ hoje em dia as pessoas são muito críticas, são
muito sarcásticas, e eu sou meio delicada.”. Ignorar a obra de Miguel
Torga é um dos crimes da ignorância. Não ler, não
comentar mais e esquecer o romance Cidade de Deus do antropólogo
carioca Paulo Lins é, no mínimo, muito estranho. Seria como
deixar de falar de Machado de Assis ao se referir ao panorama literário
brasileiro no fim do século XIX.
Amo os cachorros feios, furiosos e abandonados. Os Blomberries e a
sociedade intelectual dos apóstolos irreverentes formaram o grupo
que mais perturbou a decadente cultura inglesa vitoriana. O refinamento
dos rituais católicos também fascinou James Joyce. Dostoievski
apegou-se mais à ética liberal católica. Para Joyce
era a música, e não a poesia, que melhor fazia uma crítica
da sociedade. Isto desde as cantigas provençais e de outras origens
no cotidiano da Europa medieval. As experiências “eucarísticas”
joyceanas foram suas fontes de criação literária,
além da sua erudita formação. Ele gostava se descobrissem
sua inocência essencial e, sob máscaras, escondia a simplicidade
humana que subjaz em todos os seres humanos mascarados. Sua esposa Nora
Barnacle deu-lhe a segurança necessária aos que decidem ser
severos com o mundo. Muitos poemas de James Joyce foram musicados.
Amor e música, amor e cor, tardes, ventanias, bosques ensolarados,
amor triste à distância, amor no sol a pino, virgindade,,
sexo e eucaristia, coprofagia, ciúmes, desonra, altivez,, purgação
e criatividade, lembranças, rumor de águas, galope de cavalos,
seres da natureza se exprimindo como no filme Aurora de F. W. Murnau,
escrita fragmentária como no romance A vida e as opiniões
do cavalheiro Tristram Shandy de Laurence Sterne são alguns dos
genes do código literário e do imaginário subjetivo
de James Joyce. Seus arquétipos : o útero, o prazer
solitário, o gozo, a guerra e a morte. Alusões à lua
de capuz, a antigos plenilúnios, passeio com Mary Sheehy às
colinas de Dublin, a epifanias de sonhos, espumas nos joelhos de cavalos
guerreiros, chicotes flutuantes, armaduras negras e sombrias, leituras
de textos de William Blake e de Walter Scott, debandadas, amor à
religião, à pátria e à família e resgates
do atemporal são alegorias e paixões e simbologias marcantes
na história da obra escrita de James Joyce, escritor irlandês
tão admirado pelos poetas Ezra Pound e Augusto de Campos e Décio
Pignatari. Preferiu Joyce que o acompanhamento musical dos seus poemas
fosse feito por alaúdes. Na falta de alaúdes, por violões.
O vórtice da gargalhada, o escuro onírico e o fulgor que
cega, a bigorna que martela em seu peito, longas e verdes cabeleiras sacudidas
triunfalmente, cavalos belicosos emergindo do mar, aos berros correndo
por praias... Coração, não tens prudência nenhuma,
com tal desespero? Select Saloon Bars Cassidys .. o verde submarino é
a cor mais profunda embora se assemelhe à da superficialidade dos
musgos. Oh grande irlandês!!.... Protestou contra si mesmo!..
A fidelidade é uma postura medieval e feudal, a traição
e a ironia têm um quê de modernidade. “Não podemos nem
prometer nem esperar a vassalagem eterna porque reconhecemos de modo assaz
exato os limites de toda energia humana.” – James Joyce. Para este genial
irlandês a arte é essencialmente elíptica. O artista,
para Joyce, é um sacerdote da arte. A técnica joyceana de
escavar continuamente buracos anais na cultura inglesa e de esculpir erráticas
ficções labirínticas e autobiográficas, suas
datações e classificações inexatas ou aleatórias,
suas abundantes citações de clássicos deslocadas de
seus contextos, instalam em nós o vazio consciente de nossas pretensas
sabedorias. Para Jacques Lacan, James Joyce livrou-se da psicose enveredando-se
ou mergulhando no rio da arte. Para Jung, Joyce mergulhou até o
fundo de um rio sombrio e infernal. Sua filha Lúcia (de Lammermoor?)
despencou e se afogou neste mesmo rio. Para James Joyce, a Psicanálise
era um tipo de chantagem ou de charlatanismo intelectual. E agora? Perdi
o rebolado. “Tudo tem a ver com tudo se você tem os seus olhos abertos.”
— Arnaldo Antunes. Viva Carmem Miranda! The End.
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O autor está aceitando adesões para fundar
o Centro de Expressões e Estudos sobre Imaginários e Mentalidades
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