RESUMO: Análise do poema Mensagem de Fernando Pessoa,
através da ótica da Retórica Antiga
UNITERMOS: Fernando Pessoa: techne rhetorike, discurso,
invenção, persuasão.
Apresentamos aqui uma possibilidade
de análise para a Mensagem de Fernando Pessoa e para tal,
valemo-nos da Retórica Antiga, tentando comutar para o poema as
diversas partes da rede persuasiva, conforme estabelece Aristóteles.
Sabe-se que "o fato de um texto apresentar marcas de Retórica
ou não, nada indica sobre seu valor" (Tringali, 1988, p. 202.),
mas diga-se: a Retórica Aristotélica é aplicável
ao exame de qualquer linguagem, e funciona como método extremamente
útil de análise literária, pelos aspectos peculiares
que revela de um texto, principalmente daqueles de índole persuasiva.
Sopro épico - Tensão
lírica
É fácil perceber
no corpo da Mensagem o sopro de grandiosidade invejado d'Os Lusíadas,
a epopéia mãe. Tanto Pessoa quanto Camões visam contar
feitos grandiosos realçando os exemplos por meio de uma teoria do
heroísmo, pois não há neles, herói que não
brilhe, seja pela glória, seja pelo sofrimento, que n'Os Lusíadas
é coletivo, cabendo ao povo suportá-lo corajosa e coletivamente,
e na Mensagem, coletivizado, visto que o poeta dá voz a um
sentimento próprio, sentimento de falta, sua, que, universalizada
pela exaltação épica, passa a ser tomada como geral,
embora, impulsionada pela força lírica.
Se Camões procura
ressaltar a feição épica e factual de todos os seus
reis e heróis, se glorifica a grandeza histórica de Portugal
e canta enfaticamente as façanhas bélicas como as de Afonso
III, a voz da Mensagem procura relembrar saudosa e melancolicamente
um passado embalsamado de heroísmo na interior-idade do poeta, e
alçar o destino ao futuro que se pretende realizado de grandeza.
Se o poeta renascentista faz de Vasco da Gama uma sinédoque particularizante
do povo português escrevendo sua crônica histórica,
o poeta moderno prefere cantar a nação, interpretar seus
sonhos e alertar seu povo para a crença de que Deus é
o único porto de chegada. Para tanto, fia suas profecias a Bandarra
e Vieira, abraça o mito do sebastianismo e o do Quinto Império,
cuja origem é o sonho bíblico de Nabucodonosor.
Se pensarmos profeticamente,
natural seria o malogro dessa Mensagem, posto que o profeta Daniel,
revelador de sonhos, nunca foi profeta. Não sendo assim, malograria
ainda, "porque o país que a recebia, não recebia senão
o que não esperava: uma explicação simbólico-religiosa,
simbólico-ocultista de um passado que nada mais era senão
passado" (Simões, p. 646). Mas se para o país era sem tempo
a Mensagem, para o Estado militar era de muita valia. O texto poderia
constituir-se em aparelho do poder, enquanto disseminava ufanismo patriótico:
persuasão para a crença e esperança de um futuro melhor.
Dada a grandiosa e heróica,
não obstante sussurrada lírica e sentimentalmente, a Mensagem
oferece-se perfeitamente à utilização política,
na medida em que visa convencer sobre a necessidade e a possibilidade de
Portugal vir a cumprir a missão histórica de continuar as
glórias de um passado saudoso. Enquanto linguagem, o texto apesar
de moderno, deixa emergir um tom grandioso e solene; enquanto estrutura,
mesmo não sendo rígida como na epopéia, é possível
sentir diluídas e permeabilizadas nas linhas da Mensagem,
as cinco partes que estruturam o gênero da Ilíada.
Veja-se que Galaaz é
a imagem ideal do desejante, e é isto o que na visão do poeta
falta a Portugal: um sujeito para o sonho, um sujeito que deseje. Esse
chamamento presentifica e nomeia o Desejado. Só ele, por ter a beatitude
de Galaaz, mesmo sendo homem, pode ser o sujeito de um desejo e concomitantemente,
o objeto de desejo de um sujeito coletivizado. Apenas ele é capaz
de viver a gnose de sua verdade histórica e mítica, real
e ambígua.
Assim, tudo é
oculto. E apesar do poeta "dizer a si mesmo que nada deve buscar e
em nada crer", não pode "evitar que o invada a saudade" (Quillier,
1990, p. 125.) indefinível de menino, que na infância perdera
o pai e a pátria; a mesma saudade da esfinge que abre a Mensagem
(O dos Castelos) e fita o futuro do passado, o Ocidente que
(ainda) não existe novamente, pois se no passado fora conquista
portuguesa, no presente é o verbum desejante e não-realizado.
Interrogativa, vaga, exclamativa,
a voz da Mensagem se revela: nem epopéia, nem elegia, talvez
um epitáfio feito sermão, instalando-se num espaço
do ser e do não ser, um objeto dialético, espaço mesmo
do discurso retórico, que pode se dar de três modos: convencendo,
comovendo ou agradando.
1. Convencer é
persuadir através de provas lógicas. Requer um método,
uma aparelhagem (Probatio) onde as provas possuam força própria
e convençam por si, sem que o orador se utilize de explorações
psicológicas do auditório. Essas provas podem ser indutivas
(exemplos) ou dedutivas (argumentos).
2. Comover é
persuadir suscitando paixões no auditório para conduzir-lhe.
Esse tipo de prova (ética ou patética) pensa a matéria
probatória não em si, mas segundo a psicologia do auditório,
mobilizando provas subjetivas e morais. É esse tipo de comportamento
que rege todo o aspecto lírico da Mensagem.
3. Agradar é
persuadir através do deleite, do encantamento, da sedução
própria de toda obra de arte. Esse deleite é conseguido através
do aspecto formal do poema: sua linguagem de figuras e imagens.
Retórica Antiga
A Retórica Antiga
admite como técnica do discurso persuasivo, cinco operações:
Inventio é
o levantamento das provas que constituem a substância do discurso,
isto é, deve procurar o que dizer (Invenire quid dicas);
Dispositio: organização
do que se vai dizer, arranjo formal das partes do discurso;
Elocutio, a escritura
propriamente dita, ato de compor que busca vestir de palavras (verba) o
conteúdo encontrado. É a arte do estilo e cuida dos ornamentos
(as figuras);
Actio: trabalho de
exposição, que, à moda de um ator, sugere uma dramaturgia
da palavra (agere et pronunciare) e, finalmente, a
Memória, que garante
a livre exposição do orador pelo bom uso mnemônico.
A Techne Rhetorike da Mensagem
Todo discurso está
imbuído de uma mensagem e produz algo em seu receptor. Resta saber,
portanto, a quem, como, e a respeito de que questão provável,
a voz da Mensagem visa persuadir. Sabe-se que toda mensagem pressupõe
um receptor, condição essencial para que haja comunicação.
A voz da Mensagem, voz de mitos e de homens, agudamente persuasiva,
não tem outro objetivo, senão o de influenciar e conduzir
pela força do mito e do exemplo.
Os mitos são condensados
na figura de Deus — veja-se a epígrafe (1)
que à maneira de uma prece de louva-a-Deus abre o poema assinalando
o tom de predestinação, que de modo circular, fecha o Mar
Português com poema Prece (2)
(M. 31, p.212-13). Veja-se ainda O Encoberto, cuja
epígrafe Pax in Excelsis não poderia ser mais reveladora
dessa voz esfíngica que dá base para o sobrenatural, ação
instintiva e rede de predestinação que sustenta o poema.
A voz de homem, logos, fala ao homem-nação-portuguesa, poeticamente
mitificado, mas responsável pelo destino lusitano. E é a
esse homem que cabe, com a ajuda dos mitos, compreender e alardear a mensagem
recebida.
A rigor, acreditamos que
não se deva falar, contudo, em Retórica do ufanismo, visto
que o poeta, embora ostente o passado português de glórias,
repudia o presente infeliz; nem em uma Retórica do Nacionalismo,
pois o eu-poético repudia a inércia, a falta de sonho, de
crença e de desejo daqueles que chama de felizes, porque são
só o que passa (M.2, p.197). Mais acertado talvez, fosse falar
de uma Retórica do Patriotismo, já que o ponto de
partida da Mensagem é uma Retórica do Saudosismo
envolta de patriotismo. Esse tema aparece condensado em Brasão,
primeira parte do poema, e desenvolve-se nas partes seguintes - Mar
Português e O Encoberto - onde a pulsão da alma
ou ser lusitano assume seus desdobramentos.
Identificado o tema, a rede retórica aponta para a Questio
- o que se discute sobre o tema - e nesse momento funda-se a dialética
da Mensagem, pois todo discurso retórico pede um outro que a ele
se confronte. Em Mensagem, os seus quase seiscentos versos só
se justificam tematicamente porque se opõem, não em ato,
mas em potência a um discurso contrário que é representado
pela inércia e pelo presente infeliz, carente de glórias.
A voz da Mensagem defende um discurso anterior a essa fala do presente.
Defende a voz do passado de glórias, voz da saudade que se quer
real e futura novamente. É esse o propósito persuasivo da
Mensagem.
A primeira parte do poema
sugere uma previsão do futuro, mas essa previsão sustentada
no Brasão: campos, castelos, quinas, coroa — marcas de fortificação,
cristianismo, realeza, inteligência (=Monarquia), são Timbres
do passado e reforçam ainda mais o caráter de desgosto com
o presente existencial do poeta. Na segunda parte, presente/futuro em
relação a Brasão, cantam-se glórias num presente
ufano que já não existe concretamente. Passado em relação
à terceira parte e à história factual, Mar Português
assume caráter mítico, cujo tempo não pode ser
medido, porque faz parte da memória-alma portuguesa, tornando-se
assim um presente eterno e intocável, capaz de dar passagem para
o futuro de O Encoberto e condição essencial para
o advento do Quinto Império.
Só nesse momento
fica clara a Propositio da techne da Mensagem. Veja-se que o poeta
termina seu discurso como que dissesse: este é o último presente,
é o momento, e diz É a Hora, dando, sentencialmente,
uma condensação dos fatos: Valete Frates.
Essas noções
de tempo (passado, presente, futuro) mantêm estreita relação
com a categoria de gênero do discurso retórico. Notam-se traços
do gênero político (deliberativo) cuja finalidade é
aconselhar, e seu objeto, o útil ou o prejudicial, como se vê
já no segundo poema, O Das Quinas, ao dizer : Ai dos felizes,
que são / só o que passa! (2, p.197). Percebe-se aí
a intenção do poeta-orador de aconselhar sobre uma questão
futura: (o que há de ser dos felizes...) cujo conselho é
expresso nos últimos versos da segunda estrofe ao dizer que A
vida é breve, a alma é vasta: / Ter é tardar (2,
p. 198).
Percebe-se, ainda, a presença
e a fusão de outros traços como o forense (Gênero judiciário),
cuja finalidade é acusar ou defender, acusando-se a "falta de sonho"
do povo português, ao dizer Ah, quanto mais ao povo a alma falta,
/ Mais a minha alma atlântica se exalta (30, p. 212), num reclame
exaltado, ou chamando a atenção daqueles que vivem em
casa, cuja sentença, vem expressa no último texto (Nevoeiro);
e o castigo é constatar que Portugal é nevoeiro. (Cf. 44,
p.221)
É contudo o gênero
Epídico ou Laudatório que caracteriza melhor o poema.
Esse gênero que se refere ao tempo presente tem a finalidade de louvar
ou censurar; e a Mensagem, já está dito, tem a glorificação
patriótica como objetivo precípuo. É através
das características desse gênero que o poema se solidifica
na história da Literatura Portuguesa e Universal, e funda sua própria
história como o poema moderno que celebra a grandeza lusitana: grandeza
da potência dos mares, da força da mística e da alma
nacional.
Atechnoi & Entechnoi
Não basta ao orador
ter domínio sobre a Elocutio. É necessário ter amplo
conhecimento do que se vai dizer. Só assim o poeta-orador pode encontrar
as provas certas para subsidiar a invenção.
Os atechnoi são as
provas fora-da-técnica ou extrínsecas, aquelas que não
dependem da criação do autor. São provas concretas,
dadas, e que precisam apenas ser manipuladas e valorizadas como o Brasão
(com seus campos , castelos e quinas) que abre o poema, ou a posição
geográfica da Europa; a localização de Portugal, olhos
da conquista porque vêem mais longe; os sete castelos que de Ulisses
a Dona Filipa de Lancastre, ventre do império, representam
a construção da nacionalidade; As quinas que representam
as glórias conquistadas com sofrimento e remetem às cinco
chagas de Cristo. São provas extrínsecas e persuadem como
exemplos a serem lembrados e imitados. Outras provas dessa categoria podem
ser relacionadas, bastando para isso, arrolar os elementos factuais e mitológicos
utilizados pelo poeta.
Quanto aos entechnoi,
provas intrínsecas (dentro-da-técnica) são elaboradas
segundo as características de seu auditório e só dependem
da invenção do autor. Dividem-se em lógicas e psicológicas
e são, no caso da Mensagem, as que lhe dominam a estrutura
persuasiva.
No terceiro poema d'Os avisos
e naqueles em que o poeta não dá a palavra a outrem, constroem-se
provas éticas (psicológicas) na medida em que fixam a imagem
do “orador”:
Só te sentir e te pensar
Meus dias vácuos enche e doura.
Mas quando quererás voltar?
Quando é o Rei? Quando é a Hora?
(39, p.217)
Médio
(Glória no passado)
Menor
Portugal do presente
Maior
Certeza do Quinto império - Glória no futuro
Pudemos observar na invenção da rede da Mensagem provas destinadas a persuadir, fazendo, quer lógica, quer psicologicamente a opinião do seu auditório. Observamos ainda, que se misturam provas concretas e subjetivas, procurando-se opor assim o discurso retórico do poema a um outro discurso, ou anti-discurso, representante da inércia e da falta. Tal discurso precisa, segundo o poeta, ser modificado e é contra ele que se dirige a Mensagem patriótica.
Dispositio - A disposição
das partes da Mensagem é retoricamente eficiente. O poema
é estruturado em três partes que, a despeito da clareza da
divisão, formam um todo intimamente coeso que se apresenta, na verdade,
em oito partes enquadradas e enquadrantes.
A primeira parte (Brasão)
está dividida em cinco médio-fragmentos: Os Campos,
Os castelos, As quinas, A coroa, O timbre,
cujos micro-fragmentos somam dezenove textos. O primeiro desses micro-fragmentos,
O dos castelos (p. 197), é retomado e desenvolvido adiante
em Os castelos (p. 198-201) que alarga e fixa a idéia da
terra da nacionalidade portuguesa. O mesmo acontece com o micro-fragmento
O das quinas (p.197) que será retomado e desenvolvido em
As quinas que representam as armas de Portugal e simbolicamente
o início e o fim da dinastia de Avis (D. João I).
O médio-fragmento
A coroa representa Nunálvares Pereira, guerreiro e santo, e engloba
os castelos e as quinas que são significações contidas
no que a coroa representa; e note-se que essa coroa não é
apenas realeza, mas Excalibur, o que ilumina e abre o caminho da glória.
É o que diverge do ar azul negro e por oposição,
o vislumbre do Quinto Império.
O médio-fragmento
que termina a primeira parte do poema é O timbre
(p.204-5), insígnia que no brasão português da monarquia
encima a coroa e que representa simbolicamente o Infante Dom Henrique,
Dom João II e Afonso de Albuquerque. Esse timbre, distintivo da
identidade lusa, representa a consolidação e expansão
portuguesa e engloba os campos anteriores: o d’Os castelos e o d’As
quinas.
Brasão, o
exórdio da Mensagem, é desenvolvido nas partes seguintes:
Mar português e O encoberto. Esse exórdio é
minuciosa e genialmente estruturado, contendo em si uma Techne completa,
que conta com seu próprio exordio (A), narratio (B), confirmatio
(C) e epílogo (D) que engloba e resume.
O segundo macro-fragmento
do poema marca através da posse do elemento água (mar) um
período de criação, conquista e poder. Mar Português
estrutura-se como a narratio que expõe a história
dos descobrimentos e como confirmatio que busca justificar o aspecto
negativo dessas descobertas porque, segundo o poeta, ... Tudo vale a
pena / Se a alma não é pequena (29, p. 211).
O macro-fragmento O Encoberto
finaliza o poema. É um epílogo à Animos Impelere,
isto é, ao nível dos sentimentos; e apesar de resumitivo,
persuade comovendo. É um epílogo patético, lacrimejante.
Elocutio - A elocução é a última
etapa da montagem. É a própria escritura e se encarrega de
produzir em palavras (verba) o material encontrado na inventio
e na dispositio. Essa atividade locatória compreende o ato
de compor e polir o discurso. É, na verdade, a procura das palavras
que vão vestir artisticamente o conteúdo.
Uma das características
do discurso bem realizado é a capacidade de “persuadir”, encantar,
seduzir pelo deleite; pois os ornamentos, sempre do lado da paixão,
tornam a palavra sensual e desejável. A Mensagem persuade assim,
seduzindo e agradando.
Destaque-se ainda o valor
da metáfora em Mensagem. São pelo menos três,
as maneiras como esta metábole se manisfesta: ao nível da
substituição paradigmática (metáfora-palavra);
ao nível de uma tipologia lingüística e poética
(metáforas denominativas que suprem certa carência lexical
); e ao nível do enunciado ou da parte do discurso.
Veja-se que os próprios
títulos Mensagem, Brasão, Mar, Encoberto
são metáforas-chave, catalisadoras de atmosferas poéticas.
Brasão é
iniciado com uma alegoria (O dos castelos) composta por uma cadeia
metafórica: os românticos cabelos (= os oceanos); os
olhos gregos lembrando (= recordo do pensamento clássico) e
Ocidente futuro do passado (= Brasil e Colônias da África
Ocidental). No segundo poema (O das quinas) são construídas
metáforas por comparação em aproximações
que ressaltam as diferenças entre homem e Deus.
É precisamente nesses
dois primeiros poemas que se funda a principal e talvez única metáfora
(porque globalizante) para o entendimento da Mensagem. É
a metáfora por alusão que de certo modo seleciona os seus
leitores porque exige deles o conhecimento de fatos históricos,
mitológicos, bíblicos e da própria vida enigmática
de seu autor.
Outras metáforas
de destaque nessa primeira parte do poema são: Ulisses (=
a origem de Portugal); Viritato (= a nação portuguesa);
Dom Afonso Henriques (= a independência de Portugal). Dom
Dinis - Sexto d'Os Castelos - o plantador de maus a haver e do trigo
do império é metáfora da expansão futura
e da riqueza.
Das Quinas convém
lembrar da segunda, o poema mais antigo da Mensagem e que na sua
origem tinha o título de Gládio. Essa espada especial de
dois gumes constitui-se numa metáfora por comparação
também contrastante entre o concreto e o abstrato e significa o
poder sobrenatural daquele que deveria empreender a guerra santa. Na quarta
das quinas, Dom João - Infante de Portugal - é a alma Virgemente
parada, metáfora de pureza e de falta de préstimo em
contraste com as almas de seus pares.
Em A coroa se faz
a comparação metafórica Galaaz/Nunálvares,
cuja espada energizada decepa o azul negro do ar. Ar (=céu)
é mais uma metáfora do mistério, do ignorado que nesse
poema representa a tópica do espiritual e do divino, lugares do
sobrenatural. Essa metáfora será repetida de forma diversificada
e com outra roupagem em diversos textos como: 3, 4, 9, 12, 13, 17, 18,
35, 37, 39, 41.
A metáfora Mar
é também e ao mesmo tempo veículo para o sonho e para
a esperança portuguesa. Esperança de conquistas materiais
e sonho do empreendimento e da manutenção da guerra santa.
Dom Sebastião o primeiro
d' Os símbolos (O encoberto) dá lugar à metáfora
temporal. Ler esse texto é assistir o levantar-se de Dom Sebastião
interrompendo o intervalo da alma imersa, ou o repouso nas Ilhas
Afortunadas. O eu do poema, estando presente, fala de um passado: caí,
guardei e remete a um futuro: regressarei. Mas esse regresso
que continuará sendo aguardado já é presente porque
seu tempo é o da espiritualidade, é mítico-místico
e transcende à noção temporal. Esses elementos são
base também para uma metáfora espacial porque presentificam
e atualizam o sonho e o desejo do espectro do último rei da dinastia
de Avis que se faz onipresente ao atuar n' Os avisos em tempos e principalmente
em contextos diferentes: Bandarra (1500-1556), Vieira (1608-1697) e Pessoa
(1888-1935).
No texto O Encoberto,
talvez o mais belo da Mensagem, além das várias metataxes,
chama a atenção a construção metafórica
de renascer, vir à luz (do Encoberto) através da gradação:
aurora ansiosa - dia já visto - sol já desperto que
tece a comparação entre Dom Sebastião e Cristo. Aquele
morto e "enterrado" em nome da pátria, este em nome do pai. Ambos
foram mortos no exercício da proteção da humanidade
- cada qual a sua - e voltam à luz para assumirem o lugar de origem:
um os céus porque na origem era espírito, o outro, Portugal
porque na origem era rei.
Mas o rei não vem
(ainda) e a metáfora do insólito, do sombrio, cobre Portugal
que é nevoeiro. E o poeta já quase sem fôlego recobra-se:
É a Hora! e conclama os homens, seus/nossos irmãos,
à fraternidade.
ABSTRACT: Analysis of the poem Mensagem by Fernando Pessoa under
the light of Ancient Rhetoric.
KEY-WORDS: Fernando Pessoa; discourse; invention; persuasion;
techne rhetorike.
Referências bibliográficas
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Rio
de Janeiro: Tecnoprint.
BARTHES, Roland. A Retórica Antiga. In: COHEN, Jean et alii
- Pesquisas de retórica. Petrópolis: Vozes, 1975.
OSAKABE, Haquira. Fernando Pessoa e a Tradição do Graal.
In: Remate de Males. Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas:
Unicamp, 1988.
PESSOA, Fernando. O guardador de rebanhos e outros poemas. São
Paulo: Cultrix, 1989. (Sel e intr. Massud Moisés).
QUILLIER, Patrick. Os címbalos de Pessoa. In: Colóquio
de Letras. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.
TRINGALI, Dante. Introdução à Retórica:
a retórica como crítica literária. São Paulo:
Duas Cidades, 1988.
Notas :
(1) Benedictus
Dominus Deus noster qui dedit nob signum (Bendito Deus nosso que nos mostra
o sinal).
(2) Para
facilitar a consulta ao texto analisado, enumeramos os microfragmentos
do poema Mensagem de (1), O dos castelos (OS CAMPOS) de Brasão,
a (44), Nevoeiro (OS TEMPOS) de O Encoberto. Assim, seguiremos para as
citações o índex seguinte: (M.2, p.197) Número
do microfragmento (de 1 a 44) e página em que o texto está
localizado em PESSOA, Fernando - O guardador de rebanhos e outros poemas.
São Paulo, Cultrix, 1989. (Sel e intr. Massaud Moisés).