Bonsai: Niponização e miniaturização
da poesia brasileira (*)
Paulo Leminski
(Curitiba/PR, 24/08/1944 – São Paulo/SP,
07/06/1989)
Felizmente,
não se realizou a profecia de Rudiard Kipling: "o Ocidente e o Ocidente,
o Oriente é o Oriente, jamais se encontrarão".
Por desencontrários
caminhos e variadas encontrovérsias, Oriente e Ocidente, cada vez
mais, trocam sinais, apressando a unidade cultural da espécie humana,
agora, em velocidade cibernética.
Todos os homens são,
enfim, herdeiros da produção cultural de todos os homens,
de todos os povos, de todas as épocas.
Os indús são
meio ingleses. A China adota Marx, e o chineseia. Os beatniks e
os hippies da Califórnia e do mundo descobrem o continente-zen.
A Ásia incorpora
a tecnologia e a ciência européia. Mas o Ocidente é
inundado pela yoga, pelas artes marciais, pela macrobiótica, por
técnicas de massagem, peía acupuntura, pelo I Ching, pela
ginástica, "tai-chi", por mantras, tantras, nirvanas, "gurús"
e "hare-krishnas".
No plano horizontal, a influência
do Ocidente, infinito da técnica, de horizonte a horizonte, como
esta frase que escrevo, na horizontal, da esquerda para a direita.
O Oriente, o
vertical, o mergulho nos abismos dos signos
ancestrais, os mantras, o inconsciente coletivo, a "alma", o universo esquecido,
lá em baixo (na escrita chinesa e japonesa, as frases são
escritas de cima para baixo).
O Japão é
o olho-de-ciclone do entrecruzamento Oriente/Ocidente, horizontal/vertical.
Estranho de tudo é
que as mais recentes conquistas da arte ocidental coincidem com características
da arte japonesa mais tradicional:
- "montagem atrativa" (Eisenstein):
ideograma, nô, kabúki;
- "distanciamento épico"
(Brecht): Nô, kabúki;
- "port-manteau-worlds":
montagens verbais lewis-carrol-joycianas: "kakekotoba", as "palavras penduradas",
da literatura japonesa (Nô, waka, tanka, senryu, hai-kai);
- música "minimal"
(Glass): música japonesa tradicional; miniaturização
e síntese poética (e. e. cummings, Pound, Wiliam Carlos Wiliams,
Oswald, poesia concreta) hai-kai, waka, tanka.
- linguagem analógica,
ideogrâmica, não discursiva (Mc Luhan, poesia concreta).
No Brasil, a primeira
influência direta da poesia japonesa parece ter sido sobre os Modernistas
de 22, através de traduções francesas.
Guilherme de Almeida,
nos anos 20, fez os primeiros hai-kais, adotando as três linhas (versos
com cinco, sete e cinco sílabas), mas introduzindo um artificioso
e maneirista sistema de rimas, que não existem em japonês
(o super-ego parnasiano do soneto era muito forte.
Oswald de Andrade,
amigo e parceiro de Guilherme, deve ter tirado do hai-kai a idéia
para seus "poemas-minuto", milionários segundos de ultra-informação.
O ideal de brevidade advindo
do hai-kai não morreu com 22. Encontramo-lo no Drummond, em cujo
caminho havia uma carta pedra
Ou no Drummond, que se perguntava:
"Stop. A vida parou. Ou foi o automóvel?"
O imagismo do hai-kai ainda
compareceria na poesia altamente icônica de Murilo Mendes. Ou na
do isolado Mário Quintana.
A soneteira e soporífera
Geração de 45 demonstrou todo o seu baixo repertório,
ignorando-o.
Nos anos 50, a palavra "hai-kai"
é incorporada ao vocabulário brasileiro, através do
humorista Millor Fernandes, que popularizou a palavra entre nós.
Millor é autor de inúmeros hai-kais notáveis.
Nessa mesma década,
em S. Paulo, a poesia concreta proclamou a excelência do "pensamento
ideogrâmico", como método de composição poética.
E começou a praticar uma poesia breve, sintética, anti-discursiva,
verdadeiros hai-kais industriais.
Nos anos 70, por fim, a
garotada da "poesia marginal" ou "alternativa", crescida com manchetes
de jornal, frases de "out-door" e grafittis nas paredes das cidades que
inchavam, começou a fazer hai-kais, até sem querer. Waly,
Chico Alvim, Chacal, Régis, Ana Cristina César, Alice Ruiz,
todos o fizeram. Fazem. E farão.
Hai-kai é o nosso
tempo, baby. Um tempo compacto, um tempo "clip", um tempo "bip", um tempo
"chips".
Essas brevidades lembram
aquelas árvores japonesas, as árvores "bonsai", carvalhos
criados dentro de vasos minúsculos, signos de seres vivos, produtos
da arte e da paciência.
"Hai-kai" é "bonsai" da
linguagem
Explique quem puder. Os japoneses
já estavam lá.
Paulo Leminski
_________
Texto publicado na Revista Ímã, nºIII/SP
Fonte: http://inforum.insite.com.br/arquivos/124/HaiKai.doc
Enviado por: Frô
Página atualizada em 16 de
novembro de 2003
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