DANÇA E MOVIMENTO
                              Manuel Antônio de Castro (*)

O movimento é a grande questão para os pensadores originários e filósofos gregos. A solução de Galileu para o movimento foi achada na redução do movimento à equação matemática. Matematizar o movimento é a solução moderna e científica. A metafísica já o fizera através da substituição da QUESTÃO pelo CONCEITO. Por isso há uma profunda simbiose entre técnica e matemática. Daí o movimento preciso (esta precisão é conceitual). Nessa precisão técnica muitas vezes se resolve e conceitua o GESTO e a DANÇA como GESTOS. Contudo, essencialmente o movimento só é dança quando ele se manifesta como o sentido do agir, da ação, como a essência do agir. O real é essencialmente AÇÃO (e não e jamais os fatos, não há fato sem ação. Se não pensamos o agir não pensamos o real). É que na e pela ação poética o ser humano chega a ser o que é. Em todos os seres o chegar a ser o que é procede de uma ação interna que entra em simbiose com o que “aparentemente” é externo. Não há esta divisão, só conceitual. Contudo, cada coisa, cada ente não tem uma substância em si, estática e já dada. Cada coisa é coisa na medida em que surge na confluência com as outras coisas numa grande teia da vida. Não é que a teia lhe dê o que é, mas manifesta o seu sentido. Nisto consiste a essência do agir. À essência do agir os gregos chamaram poiesis. Esta poiesis é sempre essencialmente um agir da physis. Physis é o que surgindo e se desvelando se vela. Esta ambigüidade constitutiva e essencial da Physis é que é propriamente o real (real vem da palavra latina res=coisa).

Por isso Heidegger diz a propósito da Physis como surgir: “Podemos ainda pensar o surgir como quando o ser humano, concentrando o olhar surge para si mesmo, como no discurso o mundo surge para o homem e com ele se reúne a fim de que o próprio ser humano se revele, como o ÂNIMO se desdobra NOS GESTOS, como sua essência persegue o desvelamento num jogo, como sua essência se manifesta na simples existência”. Heidegger, 1998. Heráclito. Rio, Relume Dumará, p. 101.

O ÂNIMO se desdobrando nos gestos é a essência da DANÇA. Fique, porém, claro que a palavra ânimo de anima, alma, traduz o termo grego physché , que quer dizer o movimento vital de inspirar e expirar: o livre viver. Dança são os gestos do movimento que nos libertam para o livre viver pela manifestação do que essencialmente somos. O gesto da dança é a procura da densidade do sentido do agir em sua manifestação. Dança é a sintaxe da physis se manifestando no ser humano em seu sentido poético. O gesto, na figuração do movimento, é uma doação do vazio e do silêncio que colhe o seu sentido na busca da plenitude do agir: o repouso. O gesto é o sentido do corpo na tensão harmônica de limite e não limite, de atração para a Terra e experienciação da liberdade no aberto da vida. A dança não é o corpo em movimento. Pelo contrário, é o corpo eclodindo na densidade do que é enquanto busca de realização plena no não-movimento do repouso. Repouso diz aí sentido pleno e não falta de ação.

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(*) O autor é Prof. Dr. Titular de Poética da Faculdade de Letras da UFRJ. Site do autor: <http://www.travessiapoetica.com>.

Página atualizada em  25 de abril de 2005

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