Caeiro pensador 10-06-06 - NOTAS PROVISÓRIAS

Prof. Manuel Antônio de Castro
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                                                      Quem o mais profundo pensou, ama o mais vivo.
                                                       Hölderlin (In: Heidegger, O que quer dizer pensar?, p.120)

                                                       Amar é pensar.
                                                       Caeiro. Poema VI de O pastor amoroso, p. 98.

                   O que é o pensador? Pensador é aquele que pensa e não alguém que simplesmente raciocina. Pensar não é a mesma coisa que raciocinar. Nessa diferença está todo o enigma do que é não só o pensar como também do pensador em relação, por exemplo, ao filósofo, ao lógico, ao retórico. Mas não será por essa oposição que melhor poderemos compreender e apreender o que é o pensador. Não é filosofando ou sendo retórico que vamos entender o que é pensar. Certamente, o que é pensar encontra a sua via de compreensão nas vias e envios dos grandes poetas, dos grandes pensadores, cada um à sua maneira. Diz Emmanuel Carneiro Leão: “... pensar é deixar a realidade ser realidade, nas peripécias de realizações do próprio pensamento” (“O pensamento a serviço do silêncio”. In: SCHUBACK, Márcia S. C. (Org.). Ensaios de filosofia – Homenagem a Emmanuel Carneiro Leão. Petrópolis, Vozes, 1999, p. 251).
                    Como se dá a referência de pensamento e poesia para que possamos pensar Caeiro como pensador? Num outro ensaio, diz o pensador Emmanuel Carneiro Leão: “A Metafísica é uma experiência histórica de Pensamento. Mas não é a única. Outra experiência de Pensamento é o Mito e a Religião. Uma outra é a Mística. Ainda uma outra é a Poesia e a Arte. A última, por ser no fundo a primeira experiência histórica de Pensamento, é a Vida e a Morte, eros e thanatos ” (Metafísica e pensamento. In: —. Aprendendo a pensar II. Petrópolis, Vozes, 1992, p. 121).
                   A experiência histórica de Pensamento e Poesia encontra duas dificuldades fundamentais para melhor ser encaminhada e compreendida. A primeira diz respeito à própria essência de Pensamento e Poesia. Trata-se da questão dentro da qual Poesia e Pensamento se movem: a difícil e essencial referência de linguagem e póiesis. Entendemos por póiesis a essência e sentido do agir enquanto essência e sentido do Ser, histórica e temporalmente manifestado. A Memória do sentido do Ser é o que podemos denominar linguagem. Póiesis e linguagem se tornam, pois, o horizonte dentro do qual podemos e devemos necessariamente pensar a poesia. É nesse horizonte que vamos pensar Caeiro pensador.
                   
Para levar tal intento a bom termo há uma segunda dificuldade quase intransponível, tal a sua abrangência, vigor de determinação e horizonte histórico de compreensão: é a Metafísica como experiência histórica de pensamento. Esta, no seu vigor imperante no Ocidente, a tudo quer determinar e circunscrever, e de uma tal maneira que a ela tudo fica submetido, inclusive as demais experiências históricas de pensamento acima enumeradas e, sobretudo, a experiência histórica de pensamento de Poesia e Arte. O imperialismo da Metafísica como experiência histórica de Pensamento fica evidente hoje com a Globalização. Mas não é desta que agora vamos tratar, pois nos interessa a referência poesia e pensamento, ou seja, Caeiro pensador.
                   
Devemos tornar bem claro que essa é uma questão de extrema complexidade e adentrá-la é tentar estabelecer vias de acesso e ao mesmo tempo desvios para os avios essenciais. Essas vias serão dadas em breves palavras que nos ponham a caminho do pensamento. Não adianta querer fazer o jogo metafísico dos conceitos bem claros e distintos. Só pensando as questões poderemos ir nos insinuando nos interstícios dos conceitos e da aventura metafísica do Ocidente. Também não se trata de nos desfazermos desta, jogando o mesmo jogo metafísico da exclusão em que ela se constrói. Não se trata, pois, de uma destruição, mas de um diálogo de abertura para o advento e afirmação da originariedade e originalidade do pensar poético em que se constrói a obra de Caeiro, mais: de todo o Pessoa.
                   As experienciações de pensamento acima enumeradas por Emmanuel Carneiro Leão constituem as vias de experienciação da questão seminal da Vida e da Morte. Esta se desdobra nas diferentes experienciações. Nesse sentido, haveria tantos Ocidentes quantas são tais experienciações e se assim fosse encarado a oposição Ocidente e Oriente seria bem mais dialética, pois subjaz a um e a outro a questão seminal da Vida e da Morte. Porém, a virulência com que se impôs a todo o planeta Terra a Metafísica como experienciação única de pensamento nos leva, naturalmente, a distinguir dois Ocidentes: o metafísico e o não-metafísico, onde este “não” não é dicotômico, mas simplesmente indica outras experienciações possíveis do sentido da realidade. É nesse sentido que podemos entender a afirmação de Emmanuel Carneiro Leão quando diz que “... pensar é deixar a realidade ser realidade, nas peripécias de realização do próprio pensamento”. Notemos bem aí que o sujeito, se de sujeito se pode falar, não é o sujeito dos conceitos, da razão instrumental ou não, da consciência que até quer dar conta do não-consciente. Quem é?

                                                    O universo não é uma idéia minha.
                                                    A minha idéia do universo é que é uma idéia minha.
                                                    ..................................................................................
                                                    A única afirmação é ser.
                                                    E só o afirmativo é o que não precisa de mim.
                                                                                       
Caeiro. Poemas inconjuntos, p. 129

                    A obra de Caeiro é tão radical que nela e por ela o poeta pensador quer “deixar a realidade ser realidade...”. Porém, está totalmente consciente das dificuldades que encontra pela frente, pois está radicalmente inscrito na experiência de pensamento metafísico do Ocidente e com ela tem que se defrontar como o declara na poema XLVI:

                                                    Procuro despir-me do que aprendi,
                                                    Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
                                                    E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos. 

                   “Procuro despir-me do que aprendi”. Aqui temos duas posições fundamentais bem claras para o poeta. De um lado há o despir-se. É, sem dúvida, uma imagem-questão densificada na metáfora do despir. Despir-se para voltar ao estar nu implica uma atitude de volta a algo que já se foi e não mais se é, pois está revestido de algo. O despir e o voltar a ser nu nos remete, portanto, para o quê? Sem dúvida nenhuma isto para onde ou para o quê nos remete o despir está relacionado com a segunda posição. O poeta procura despir-se “ do que aprendeu”. E aqui surgem duas perguntas que se inter-relacionam. 1ª. Como surgiu o que aprendeu e o que aprendeu? 2ª. Por que ele tem que despir-se disso que aprendeu? O que isso implica em relação ao horizonte onde se move o poeta no seu poietizar ?
                    Responder a estas perguntas é extremamente complexo, porque implica rever toda a trajetória do Ocidente no que ele tem de experiência metafísica de pensamento. Despir-se do que aprendeu é deixar o inaugural acontecer. Isso não é fácil porque muitas são as camadas de tinta que ele tem de “raspar”. Que camadas são estas?
                   É aqui que nos servimos das reflexões de Heidegger. Ele não é um filósofo, é um pensador. Tanto ele como Pessoa falam do mesmo. Isto não quer dizer que digam as mesmas coisas. Martin Heidegger nasceu em 1889 e morreu em 1976. Fernando Pessoa nasceu em 1988 e morreu em 1935. Estes dados de maneira alguma significam buscar uma explicação causal historiográfica ou biográfica para o que há de essencial em suas obras. O mesmo em seu destino se destina em épocas. Todo destinar é um dar-se que se retrai já fundamentalmente apreendido por Heráclito em seu fragmento 123: Physis kryptestai philei. A physis ama retrair-se. “Amar é pensar” (Caeiro). Pensar o quê? Como nos diz sabiamente Heráclito: o que se retrai. Pensar é se experienciar neste elemento: o ser atraído pelo que se retrai. Dele nos vem a nossa medida. Mas como o que se retrai pode ser medida? É a questão, é o a-ser-pensado.
                   A obra de Heidegger no pensamento e a de Pessoa na poesia compartilham o mesmo destino do Ser em seu sentido na trajetória do Ocidente. O que quer dizer sentido para ambos? A esta pergunta nos responde Heidegger no ensaio: “O que é metafísica?” quando diz: “ “Sentido do Ser” e “verdade do Ser” dizem o mesmo .” (“Sinn von Sein” und “Wahrheit des Seins” sagen das Selbe. In: Heidgger, Martin. Wegmarken. Frankfurt, Vittorio Klostermann, 1967, p. 377). As duas obras, ao mesmo tempo que se inscrevem nesse destino, também o escrevem e prescrevem. Para se pensar. Elas inauguram uma nova época, não historiográfica mas do sentido do ser. Para entender melhor esta diferença só nos transportando para a tensão em que se inscrevem de um lado a experiência metafísica do ser e, de outro, tanto a experiência poiética do sagrado quanto a experiência de pensamento do ser. “O pensador diz inauguralmente o ser. O poeta nomeia o sagrado. Como, realmente, pensado a partir da Essência do Ser, o poietizar e o agradecer e o pensar se referenciam entre si e, ao mesmo tempo, são diferentes, precisa aqui permanecer em aberto”. (Idem, p. 312). O que queremos, pois, agora é destacar a tensão entre a experiência metafísica do Ser e o pensamento e a poesia.
                   Quando dizemos que tanto a obra de Heidegger como a de Pessoa inauguram uma nova época, não podemos pensar época com os conceitos metafísicos. Para tanto é necessário pensar o tempo como questão. A metafísica estabelece o tempo como algo causal, linear e historiográfico. Nessa perspectiva há uma seta do tempo. Bem diferente é o tempo como questão. Ele nos advém no ser e tempo do pensamento, e no tempo mítico-poético da poesia. Este é sempre circular e inaugural. Por isso as grandes obras dos pensadores e as grandes obras dos poetas dizem sempre o mesmo. Isso não quer dizer que digam sempre coisas iguais. Nelas não há sucessão nem linearidade nem causalidade, porém um dar-se que não cessa de retrair-se. Os pensadores e poetas assinalam tanto o manifestar-se, pois suas obras operam a própria manifestação da realidade, quanto, ao mesmo tempo, a retração do desvelar-se.
                   O entendimento epocal dentro da historiografia provém do percurso metafísico linear e causal. É também uma experienciação da realidade, mas em que se tenta circunscrever o próprio âmbito da realidade e, ao mesmo tempo, silenciar as demais experienciações no que elas são como experienciações, contrapondo-as ao seu real como irrealidades.
                   Toda a obra de Heidegger é um grande diálogo com a tradição metafísica. Neste, sua crítica é a proposta de abertura para o sentido do Ser, que ficou silenciado no percurso metafísico do Ocidente. Nesse horizonte, vamos ter, do ponto de vista do pensamento, uma nova experienciação da realidade. No ensaio “A origem da obra de arte” Heidegger assinala o percurso metafísico da experiência do Ser tendo em vista o pensamento da poesia. Assim como não se pode classificar o pensamento de Heidegger como uma filosofia entre outras filosofias, pois seria ainda se mover na experiência metafísica linear e classificatória, de que ele empreende a superação, também não podemos dentro dos mesmos parâmetros pensar esse ensaio de Heidegger como uma “nova” teoria estética da arte.
                   Nele, Heidegger nos convida a pensar a arte num horizonte originário. É um horizonte circular onde todas as artes se encontram tendo como tensão fundamental póiesis e linguagem. Entende-se aí por póiesis o agir originário em que o Ser se dá como Sentido, ou seja, como Verdade. Póiesis é, portanto, verdade enquanto opera a obra de arte e manifesta nesse operar a realidade como realidade. Esse pensamento que percorre todo o ensaio inscreve, portanto, o seu pensamento como inaugural. No entanto, ele se dá em diálogo com a experiência metafísica ocidental do ser.

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                                                    Procuro dizer o que sinto
                                                    Sem pensar em que o sinto.
                                                    Procuro encostar as palavras à idéia
                                                    E não precisar dum corredor
                                                    Do pensamento para as palavras. 

                                                    .................................................................... 

                                                    Procuro despir-me do que aprendi,
                                                    Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
                                                    E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos

                   Para o poeta, a póiesis e o pensamento consistem num despir-se do que aprendeu e deixar o inaugural acontecer. Porém, esta eclosão, este espanto e advento do extraordinário, da experienciação da poesia como pensamento poético exige para se despir que vá além do modo de lembrar que lhe ensinaram. Modo diz respeito ao método, aos caminhos conceituais pelos quais se circunscreve e silencia o “deixar a realidade ser realidade”. Na metafísica ocidental só há uma método: o lógico-conceitual e tudo o que não couber aí fica excluído. É isso o que nos “ensinam”. O pensador-poeta vai direto à questão: sem se pensar a questão do método não se descobre o originário. E como o fazer? Raspando “a tinta com que me pintaram os sentidos.” Deixar a experienciação poética de pensamento do real acontecer é não só difícil mas extremamente doloroso. Raspar na própria carne as tintas da razão e despir-se de toda a teia conceitual exige uma abertura tão radical a que nem todos se pré-dis-põem e dis-põem.

                                                     Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
                                                    Isso exige um estudo profundo,
                                                    Uma aprendizagem de desaprender (Poema XXIV)

                   Não se trata de um ato externo, mas de um mergulho profundo em nossa alma vestida e revestida de todo o aparato conceitual corrente, sobretudo no modo como se tratam as artes. Mais do que um aprendizado, o dos conceitos, é necessária uma aprendizagem. Nesta só se aprende pelo desaprender. Exige uma ascese e uma renúncia.
                    Porém, é tão mais fácil seguir o caminho certo dos conceitos, das classificações, das funções, da instrumentalidade operatória do aprendizado, da causalidade analítica, da explicação linear e historiográfica. O poeta pede muito para ele e para nós: Procurar “esquecer ” o método há tanto tempo imperante e de tão certos resultados. Tão certo que se globalizou. No entanto, o caminho é bem claro. É preciso esquecer, erradicar, raspar as camadas de tinta dos conceitos e das camadas em que a realidade foi sendo encoberta, silenciada, renegada.
                   Mas o que é o método? Todos os grandes pensadores e grandes poetas fazem desta questão a questão central. A nós ensinam que basta aprender a analisar ou indutiva ou dedutivamente. Para chegar a que fim, para achar o quê? Não será já esta uma pergunta metafísica? Sem dúvida alguma. E esta é a primeira camada de tinta que é necessário remover. E colocar no lugar o quê? Mas então se quer um quê ou se quer um método? Ou será que o método não constrói o quê? Então nos movemos num círculo vicioso, pois devemos voltar a perguntar: Mas o que é o método? Método como conceito ou como caminho? No primeiro caso teremos a metodologia. Já no segundo temos de nos abrir para o círculo poético. Mas não podemos fazer deste um conceito, seguindo a receita metafísica. É que no círculo poético o método é e permanece sempre uma questão, que não difere da questão de poesia e pensamento. Como questão cada passo nela a recoloca no horizonte do deixar a realidade ser realidade. Então o método se faz caminho poético de experienciação da realidade.
                   
Caeiro em seu poema nos diz que procura “...raspar a tinta com que me pintaram os sentidos”. Raspar é uma metáfora adequada ao que se propõe como poeta pensador. E vem se acrescentar a todo o processo em que se encadeia o seu pensamento. Primeiro ele procura e quer despir-se do que aprendeu, depois procura e quer esquecer o modo de lembrar-se e, finalmente, procura e quer raspar a tinta. Temos aqui uma tripla questão. Na realidade, a tinta cobre os “sentidos”. Estes apreendem a realidade através dessa tinta. Portanto, retirando a tinta os sentidos apreenderão outra realidade. É muito importante toda a dinâmica em que se move o pensamento poético de Caeiro. Ele está em crise, bem manifesta na consciência de que há duas realidades. Aquela apreendida pelos sentidos pintados e uma outra que subjaz a essa tinta e que os sentidos não pintados podem deixar se manifestar. Para além das duas realidades, da consciência dessa duplicidade e do lugar central dos sentidos e não da consciência, embora parta desse horizonte com o qual trava a sua luta poética, há ainda uma outra dimensão que percorre e constitui a essência da sua obra: é a linha instável em que se move seu fazer poético. Ele não tem apenas um sentido negativo, mas quer fundamentalmente afirmar uma nova realidade. Que realidade é essa? O poeta diz que lhe “pintaram” os sentidos. Pintaram quem? Não se trata afinal da experiência metafísica de pensamento e seu longo percurso ocidental?
                   É o que trataremos de ver a seguir e para isso nos serviremos das reflexões de Heidegger. Porém, se Heidegger explicitou melhor esse percurso ocidental da metafísica, nem por isso devemos deixar de perceber como tanto ele como Pessoa se inscrevem na crise de tal percurso. Crise diz aí tanto um lado negativo como um lado positivo. Para melhor compreender tal crise devemos nos reportar ao ensaio de Heidegger sobre a arte. Ninguém nega o fato de que o pensamento de Heidegger assinala a crise da metafísica e a proposta de uma retomada do pensamento poético. Mas essa é também a proposta de Pessoa, assinalada na obra de Caeiro e nos desdobramentos dialógicos de seus heterônimos, melhor, em toda a sua complexa obra. Por isso, para compreender o que na sua obra se inaugura é necessário tem em mente o horizonte do nascimento da metafísica, seus desdobramentos e a crise a que chegou no início do século vinte. Compreender a obra de Heidegger é complexo justamente porque tem uma abrangência de reflexão extremamente ampla e profunda. Sem um conhecimento mínimo das questões que o início da metafísica propõe e como elas se desdobraram torna a leitura de sua obra difícil e até obscura, não porque ela seja, mas porque a abertura para as questões e a perda das certezas conceituais fáceis exige coragem e sentido de desmedida.
                   E é uma leitura que não pode ser feita de fora como quem acompanha objetivamente o desfile historiográfico de uma sucessão de conhecimentos. Hegel já mostrara que não há tal sucessão objetiva e sem sentido. Há uma profunda ligação dialética, defendeu ele. Porém, ele pretendeu estabelecer um conhecimento absoluto que explicasse e desse conta de todo esse complexo processo. Esse imperialismo da razão e seus conceitos é criticado por Heidegger que vê nessa pretensão a mais profunda insídia da metafísica. Para não nos perdermos nos interstícios dessa insídia metafísica são necessárias duas posições. 1ª. Não há como se pôr de fora do que está acontecendo através de uma conceituação lógica; 2ª. Para tal é necessário ter bem claro que desde sempre já estamos nos movendo e mergulhados no próprio acontecer da realidade e que dela não nos podemos excluir a não ser artificialmente pelos conceitos. Na realidade, para além destes há as questões. Mas nós não as temos. Pelo contrário, são elas que nos têm. A nós cabe manifestá-las e manifestando-as manifestar a realidade. Isso é uma tarefa da poesia e do pensamento, de todas as experienciações fundamentais da realidade, porque em última instância todas elas se dão na angustiante experienciação de eros e thanatos, de desvelamento e velamento. Se isto não for levado em conta é muito difícil acompanhar o elemento em que tanto Pessoa como Heidegger se movem. Por isso as questões e o caminho em que elas se nos ofertam e nos compõem e configuram são um e o mesmo. Para isso é fundamental que se compreendam os próprios passos em que se move o que aqui está sendo dito.
                   Tentar mostra todo o percurso é simplesmente impossível. Para adentrar as questões que envolvem tanto a obra de Heidegger como a de Pessoa, partindo de Caeiro, sem querer adentrar todo o diálogo em que ela se constitui, procederemos a uma tripla indicação.

1ª. Os três conceitos de coisa.

                   Quando Caeiro se refere ao “raspar a tinta com que me pintaram os sentidos ...” (Poema XLVI), podemos dizer que estamos diante da mais profunda consciência do que podemos chamar a vasta rede conceitual da metafísica. Que a physis sempre se manifesta ao mesmo tempo que se retrai e vela é largamente comprovado pelos voz sagrada da experienciação mítico-poética da realidade. Basta atentar para a essência do mito como rito. Na tensão mito e rito se dá o tempo do sagrado em seu manifestar-se ritualizando-se ao mesmo tempo que se retrai e vela para ciclicamente ser retomado. Não há aí nem causalidade, nem sucessividade, nem linearidade, nem progresso, nem o caminhar para um fim fora daquilo que acontece no rito. E o que acontece no rito? É o kaos se dando e dizendo kosmos, na medida em que este temporal e circularmente manifesta a realidade no ordenar-se e retrair-se do seu desvelamento, isto é, da physis. Esse acontecer extraordinário da physis se torna experienciação do pensamento desde o momento em que o ser-humano se constitui como ser-humano, isto é, eclode como póiesis e linguagem. Mas acede mais explicitamente quando o ser-humano é tomado pelo espanto extraordinário e admiração maravilhosa de que a physis por mais que mude ela permanece
                  Se traduzirmos physis por natureza, universo, coisas, real, realidade como aparecem largamente essas palavras nos poemas de Caeiro, teremos a mesma questão que dará início ao percurso metafísico ocidental: O que permanece no fluxo contínuo das mudanças? Mudança e permanência eis uma das grandes questões com que Caeiro se defronta. O que é a physis se desdobra no pensamento grego na pergunta: Ti to on? (O que é o ente?). Posteriormente, este on passa a ser traduzido e entendido para e no latim como res e coisa.
                   
Heidegger procurando fugir o mais possível da linguagem metafísica e aproximá-la da usada na arte, irá tratar da coisa e não do ente (on, de onde se formou a ontologia), no que diz respeito às obras de arte, uma vez que o que se torna mais próximo em cada obra é seu aspecto coisas, seu suporte material-coisal. Isso fica muito evidente para cada um que se defronta com qualquer obra de arte. E aqui já surgem duas questões que percorrem a obra de Caeiro e seu questionamento. De um lado esse dado coisal e de outro o defrontar-se e o apreender, compreender e conceituar através dos sentidos. Devemos compreender que estamos aí diante de dois núcleos: o da coisa e da percepção da coisa através dos sentidos. Isto faz parte da metafísica.
                   Tentando responder ao que é a coisa, os gregos, nos relata Heidegger no ensaio A origem da obra de arte, elaboraram três conceitos de coisa (Das Ding, em alemão). 1º. O proposicional, onde temos o sujeito e os predicativos; 2º. O estético, onde temos a coisa como a reunião das sensações, por virtude e ação dos sentidos. O entendimento deste conceito de coisa será fundamental para compreendermos o horizonte em que Caeiro se move ao trazer para cena de reflexão não só as coisas mas também os sentidos, centralizando-se no ver e no escutar. Fique logo claro que não podemos ler tanto o ver como o ouvir partindo da conceituação metafísica. É nesse sentido que lemos o verso de Caeiro: “E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos... ”. 3º. O causal, onde vamos ter quatro causas: material, formal, eficiente e final.
                   Heidegger diz que toda a metafísica se funda nesses três conceitos de coisa. Porém, diz também que eles em vez de me darem a coisa acabam por esquecê-la e silenciá-la. Na medida em que a metafísica se funda nesses três conceitos de coisa, eles se tornam o objeto de ensino e aprendizado que nos é ensinado no sistema escolar. Note-se que, na realidade, como Caeiro não cessa de dizer, nós não temos as coisas, a natureza, a realidade, mas esses três conceitos de coisa.

2ª. A teia conceitual dos conceitos.

                   Traçar as linhas essenciais de cada conceito não é assim tão difícil. As dificuldades são outras e de duas naturezas: a) Os termos gregos em que foram sendo formulados esses conceitos, variáveis segundo o pensador, sobretudo Platão e Aristóteles, ao serem traduzidos para o latim sofrem profunda variação nas traduções e no emprego e entendimento que se fazia não só das palavras gregas mas também das latinas. Note-se ainda que tanto em Platão como em Aristóteles o que era uma profunda questão, daí uma variedade de formulações e emprego inaugural das palavras no próprio grego, depois que eles morreram foram sendo constituídas escolas que sistematizaram tais formulações e, o que eram questões, passaram a ser ensinadas como conceitos. São estes conceitos que são traduzidos para o latim e passam a constituir uma abrangente tradição. São muitas, portanto, as “tintas” com que foram sendo cobertos os sentidos da realidade; b) Não bastasse isso, a metafísica inicia com o fundamento e a causalidade uma experienciação do tempo como sendo causal, linear e progressivo, tendendo a um fim que se interpreta de maneira diferente em cada época. Época, eis um termo ambíguo, pois pode ser lido como tempo linear ou como tempo mítico-poético. Cada ritualização do mito, embora seja do mesmo mito não é nunca a mesma ritualização. Isso fica mais fácil de compreender se pensarmos os jogos. Cada jogo é a ritualização do mesmo jogo embora não seja sempre o mesmo jogo nem com o mesmo resultado. O jogar o jogo é tanto uma ritualização como um acontecer do jogo enquanto o mesmo em cada jogo diferente. No tempo mítico-poético temos a dialética de identidade e diferença, onde não se pode falar de identidade sem as diferenças e nem de diferenças sem a identidade, mas não conceitualmente e, sim, concretamente.
                    Os três conceitos trazem uma nova noção de tempo e com ela ocupa a cena uma linearidade em que se vão desenhando diferentes épocas, mas agora historiográficas e progressivas, tendendo a um fim que é externo ao próprio acontecer da realidade. É que agora não se vê a realidade mas os conceitos de realidade. É o que Caeiro não cessa de proclamar e tentar ultrapassar.

                                                    Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir.
                                                    O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado
                                                    Porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar.

                   Se lhe pesa o revestimento conceitual das roupas, tornando-se o fato um fardo, este de maneira alguma o impede de saber o que deve sentir. Isso se compreende facilmente se soubermos o saber dos poetas, pelo qual não é a razão conceitual que determina a realidade, mas que é o pensar das questões que configura todo saber que constitui o ser-humano.
                    Na variação epocal, os três conceitos vão recebendo novas interpretações e se entrelaçando entre si e passam a constituir uma rede conceitual intrincada e difícil de ainda apreender o que lhe deu origem. É o que Heidegger diz em duas passagens do ensaio. A história ocidental nada mais é do que o desdobramento histórico-epocal desses três conceitos como percurso e como experienciação metafísica da realidade. Diz ele:

                                                    §38 – As três maneiras encaminhadas de determinação da coisidade concebem a coisa como suporte de características, como a unidade de uma multiplicidade de sensações, como matéria formada. No decorrer da história da verdade sobre o ente, essas interpretações mencionadas ainda se entrelaçaram umas com as outras. Disso não trataremos agora. Neste entrelaçamento, elas reforçaram a amplitude que lhe foi atribuída, de modo que elas valem igualmente para coisa, para utensílio e para obra. Assim resulta delas o modo de pensar de acordo com o qual pensamos especialmente não apenas sobre coisa, utensílio e obra, mas ainda sobre todo ente em geral. Este modo de pensar habitual, há muito tempo antecipou-se a toda experienciação imediata do ente. A antecipação impede a reflexão sobre o ser de cada ente singular. Deste modo sucede que os conceitos de coisa dominantes nos obstruem o caminho não somente para o caráter de coisa da coisa mas também para o caráter de utensílio do utensílio e, mais ainda, para o caráter de obra da obra.

                   Ele resume no primeiro período os três conceitos de coisa. Além disso ele também faz uma distinção essencial entre coisa, utensílio e obra de arte, que aqui não pode agora ser comentada, pois nos interessa destacar a teia conceitual. Já no parágrafo 194, ele vai se deter rapidamente no percurso da metafísica.

                                                    §194 – A verdade é o desvelamento do ente como ente (a). A verdade é a verdade do ser. A beleza não aparece ao lado desta verdade. Quando a verdade se põe na obra, a beleza se manifesta. O manifestar é – como este ser da verdade na obra e como obra – a beleza. Assim, o belo pertence ao acontecer-se apropriante da verdade. Não é somente relativo ao gosto e pura e simplesmente como objeto dele. No entanto, o belo reside na forma, mas apenas pelo fato de que a forma um dia se iluminou a partir do ser como a entidade do ente. Nessa época, o ser aconteceu como eidos . A idea se conforma à morphé . O synolon , o todo unido de morphé e hylé, ou seja, o ergon , é no modo da enérgeia . Este modo de presença se converte em actualitas do ens actu. A actualitas torna-se a realidade efetiva. A realidade efetiva torna-se a objetividade. A objetividade torna-se vivência. No modo como o ente é o real efetivo para o mundo determinado ocidentalmente, vela-se um singular ir junto da beleza com a verdade. À transformação essencial da verdade corresponde a história essencial da arte ocidental. Esta é para ser compreendida tão pouco a partir da beleza tomada para si, quanto a partir da vivência, supondo que o conceito metafísico da arte chegue à sua essência.

                   Nesse breve período ele resume em palavras essenciais os três períodos em que está dividida a história ocidental: Antigüidade (a idéia platônica e a concepção aristotélica do ente: como matéria informada (utensílio) e ergon e energeia (obra); Idade Média (actualitas do ens actu – atualidade do ente em ato); Modernidade (a realidade medieval como subjetividade e objetividade); Final da Modernidade (vivência). Estes diferentes modos de entender a realidade (a natureza para Caeiro) é feita no horizonte do entendimento da verdade, ou seja, a mesma realidade é entendida de diferentes maneiras, não porque haja diferentes realidades, mas porque há diferentes modos de conceber conceitualmente a verdade.
                   
O pensador Emmanuel Carneiro Leão no ensaio “O pensamento a serviço do silêncio” também nos oferece uma visão tripartida desse mesmo percurso: “Em todos esses dois milênios e meio de cultura ocidental, o pensamento se desenvolveu, inicialmente, a serviço do ser. A partir do final da Antigüidade, ele vai se transformando e se pondo a serviço do crer. Com o final da Idade Média e o novo Renascimento, ele se coloca a serviço do conhecer. Talvez agora, na passagem do segundo para o terceiro milênio, o pensamento tenha de se colocar a serviço do silêncio, do calar-se” (In: SCHUBACK, Márcia S. C. (org.). Ensaios filosóficos. Petrópolis, Vozes, 1999, p. 241). Ao acrescentar uma quarta etapa no percurso do pensamento, o ensaísta projeta mais um desejo e esperança do que a visibilidade de sinais de transformação nesse sentido. No ensaio “As três pragas do século XXI” também me manifesto a respeito do que estamos vivenciando e não tenho tantas esperanças.

3º. Caeiro e Heidegger: a pós-modernidade

                   Quando começa e quando termina uma época é sempre algo muito problemático. Muito se discute por isso a propósito do fim ou não da Modernidade e em que época viveríamos hoje. Olhando para trás, notamos facilmente que surge uma nova época quando toda realidade passa a ser experienciada num novo real. Mas isto não se dá de repente e, sim, se baseia em acontecimentos que lentamente crescem e impõem esse novo real. Pessoalmente me inclino por uma nova experienciação da realidade no que se está chamando de Pós-modernidade. Mas tudo indica que o nome que se imporá será Globalização.
                    Há uma tendência a localizar o início da globalização no final da segunda guerra mundial. Isso talvez seja já uma maturação do processo, mas, de fato, a grande virada começa, penso, no início do século XX. Vou expor meu pensamento baseado em três transformações que mudaram a marcha em que se vinha desenvolvendo a Modernidade. Heidegger no seu estudo profundo da obra de Nietzsche o aponta como a consumação da metafísica. Nele se dá a exasperante tentariva de afirmação da vontade de poder como afirmação máxima do sujeito da modernidade. Porém, Nietzsche é não só filósofo, mas sobretudo pensador. Por isso sua obra é uma obra de crise, onde algo é criticado e outro algo começa a despontar para ser formulado. Tão autor morreu em 1900. O desenho da nova época começa nas obras de início do século, justamente diante da intransitividade que Nietzsche assinala e convida a ser pensada.
                   Em 1929 Heidegger escreveu um ensaio famoso “O que é metafísica?”. Depois em 1949 acrescentou uma “Introdução” a esse ensaio. E assim a começa:

                    Descartes escreve a Picot, que traduzira os Principia Philosophiae para o francês: Assim toda a filosofia é como uma árvore, cujas raízes são a metafísica, o tronco é a física e os ramos que saem deste tronco são todas as outras ciências ...” (In: O que é metafísica. Trad. Ernildo Stein. São Paulo, Duas Cidades, 1969, p. 61).

                   No ensaio Heidegger centra seu pensamento na crítica da metafísica e na proposta de se pensar o Nada, que a metafísica sempre se recusara a fazer. Neste ensaio, portanto, ele vai direto às raízes da árvore e daí em diante todo o seu esforço consiste em repensar o solo da metafísica e sua árvore. E que solo é este? Que elemento é este? É nesse horizonte que sua obra passa a ser a questão do sentido do ser dentro de toda uma revisão da filosofia ocidental e, portanto, das três épocas em que se estrutura o Ocidente. E, de fato, sua obra inaugura toda uma revisão e aprofundamento da questão do sentido ser, onde sentido diz, como já vimos, a verdade do ser. Daí, para ele, o horizonte de entendimento do que é arte é o entendimento do que é a verdade. É justamente nesse sentido que o pensamento de Heidegger não se constitui numa nova filosofia, pois ele propõe a sua revisão desde os seus fundamentos, as suas raízes. Mas então ele significa um fim? Esse pensamento se funda no tempo metafísico linear, pressupondo início e fim. Seu pensamento nos lança nas questões, que são circulares. Ele não cessa de nos convidar a pensar o que é digno de ser pensado, de pensar o impensado, o a-se-pensar.

                   O mesmo faz à exaustão Caeiro, por isso Caeiro é um pensador. Este se torna o centro poético de toda a obra de Pessoa. Não é algo racionalmente proposto e realizado. Aconteceu, como relata a seu amigo Adolfo Casais Monteiro. Do ponto de vista da Modernidade, a fragmentação em que se projeta a obra de Pessoa, nos heterônimos e demais desdobramentos pode ser lida como um sujeito em crise. Onde o sujeito central, imperial, do comando do destino e da construção racional da realidade? É uma razão sob o comando e domínio da des-razão. A tentativa de leitura dos heterônimos como máscaras de um sujeito em crise também não ajuda muito, porque ainda é uma leitura dentro dos parâmetros daquilo que justamente a obra de Caeiro e seus desdobramentos na obra de Pessoa tenta desfazer, se livrar, criticar, reelaborar, refazer, redimensionar, inaugurando uma nova realidade não apenas formal-poética – isso ainda é se mover nos três conceitos metafísicos -, mas uma nova experienciação da realidade absolutamente inaugural. Uma tal inauguralidade só o pode ser porque narrada na densidade de póiesis e linguagem. Uma leitura atenta da obra de Caeiro vai descobrir essa tensão como uma verdadeira linha mestra de sua poética, que é reiteradamente assinalada.

                                                    Procuro encostar as palavras à idéia
                                                    E não precisar dum corredor
                                                    Do pensamento para as palavras. (Poema XLVI)

                                                    Assim como falham as palavras quando queremos exprimir qualquer pensamento,
                                                    Assim faltam os pensamentos quando queremos pensar qualquer realidade. (p.129) 

                                                    E tudo o que se sente directamente traz palavras suas. (p.185) 

                                                    Escrevo versos num papel que está no meu pensamento (Poema I)

                                                    Porque só sou essa cousa odiosa, um intérprete da Natureza,
                                                    Porque há homens que não percebem a sua linguagem,
                                                    Por ela não ser linguagem nenhuma... (Poema XXXI)

                                                    Quando a única casa artística é a Terra toda
                                                    Que varia e está sempre boa e é sempre a mesma. (Poema XXXVI)

                   A inauguralidade de um tal poetar não assinala um sujeito em crise, mas o emergir de uma nova realidade. Claro que esta nova realidade não pode passar à margem da experienciação metafísica de pensamento da realidade, daí se fazer sempre presente uma tensão com esse sujeito aparentemente sujeito do pensamento. O pensamento se pensa pensando-se no pensador. Mas este não pode mais ser confundido com o sujeito narrador ou com o sujeito da invenção. É nessa nova tensão que se mostra a profunda originalidade de Pessoa. De dentro do sujeito moderno da consciência ele faz emergir algo absolutamente novo que não nega a consciência mas a ultrapassa. É nesta realidade nova que se projetam os heterônimos. Eles assinalam algo maravilhosamente novo: a presença de um sujeito que não é sujeito, pois se vê no meio de um jogo especular que o próprio espelho não consegue abranger, mas também não é um jogo de espelhos maneirista que se vê jogado numa sucessão de espelhos sem fim. Esse ainda é o jogo do sujeito que se descobre sujeito de uma consciência que precisa ser consciência de algo e ao mesmo tempo consciência de não-algo, só consciência. Mas o que resta quando a realidade se torna espelho, especulação? A forma que forma e desforma e que se torna apenas representação de si mesma numa tentativa de representar e apreender como consciência o que sempre se retrai.
                    É então que o pensamento eclode em Pessoa como obra de Pós-modernidade, de Pós-sujeito: os heterônimos. Lido como maneirista seriam eles máscaras que se fingem como máscaras do que não são. Lido como Pós-modernidade a sua obra é identidade do mesmo nas diferenças dos heterônimos. É que a realidade é sempre a mesma sendo diferente. A este jogo de identidade e diferenças é o que podemos chamar diálogo. Um diálogo dramático e até trágico no que eles não são sujeitos do drama que se dramatiza, mas nos jogam no jogo do diálogo como o que sempre se quer afirmar, mas não mais o sujeito, mas a realidade. Os heterônimos afirmam uma disputa onde o que se disputa é um afirmar que se quer permanentemente negar, porque todo diálogo em sua essência nos remete para o retrair-se do que só é vigente em seu velar-se. E os heterônimos são as vozes deste diálogo como jogo de procura de afirmação como identidade do que só se dá na afirmação das diferenças. Os heterônimos aparecem e se manifestam como o mesmo do que sempre é diferente, do que sempre é outro. O mesmo e o outro eis a essência do diálogo. No caso de Pessoa, o que brota de sua obra é a realidade como verdade polifônica, onde as múltiplas vozes são as vozes do mesmo. Essa excessividade poética só é possível do nada excessivo do retrair-se sem fundo do Nada do ser.

                    O Nada de Heidegger nada tem a ver com o niilismo do século XIX e XX. É um convite a repensar tudo e uma esperança de que uma nova época no destino do Ocidente esteja começando a acontecer. Dada a profundidade e abrangência de suas reflexões, ele pode ser considerado como alguém em cuja obra o ser se destinou para que uma nova época surja. Mas por que Globalização e o que o pensamento de Heidegger tem a ver com ela? Vejamos a segunda transformação.

                   Freud
                   Física quântica

                   Depois: realidade, identidade, epistemologia como dianoia e nous, sujeito, verdade, mundo, Terra.

                   Para examinar a arte de Caeiro:
                   Dasein, Mitsein, In der Welt sein, ligado a casa e Terra

Página atualizada em  5 de novembro de 2006

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