O suporte
Prof. Manuel Antônio de Castro
Sem por quê!
A rosa é sem por quê,
Floresce por florescer,
Não considera a si mesma
Nem pergunta se alguém a vê.
(Ângelus Silesius)
Não há suporte que suporte o incontrolável florescer do viver.
Não há suporte que suporte a irreprimível procura da felicidade.
Não há suporte que suporte o incontornável fogo do amar.
Não há suporte que suporte a inquestionável convivência com a morte.
Não há suporte que suporte a inclassificável diversidade do real.
Não há suporte que suporte a inecessidade de uma finalidade.
Não há suporte que suporte a inutilidade da arte.
Não há suporte que suporte a inexplicável vigência poética da música.
Não há suporte que suporte a imponderável densidade do silêncio.
Não há suporte que suporte a insuportável simplicidade da coisa.
Não há suporte que suporte a insustentável leveza do ser.
Não há suporte que suporte o irracional vigorar do não-ser.
Não há suporte que suporte a incoesão e incoerência da sabedoria
Não há suporte que suporte o sem por quê de qualquer suporte.
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Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir.
O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado
Porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar.
Procuro despir-me do que aprendi,
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras,
Desembrulhar-me e seu eu, não Alberto Caeiro,
Mas um animal humano que a Natureza produziu.
(CAEIRO, Alberto. In: Fernando Pessoa. S. Paulo, Cia. das Letras, 2004, p. 84)