Parahyba, pátria minha

Ninguém descreve tão bem o sentimento de pátria como Vinicius de Morais, quando diz “a minha pátria é como se não fosse, é íntima doçura e vontade de chorar.” Conheço esse poema desde adolescente e foi somente através dele que consegui traduzir o que sentia e sinto em relação à noção de pátria que, curiosamente, nunca me veio como se a minha pátria fosse o Brasil, mas a Parahyba, assim, com “h” e “y”, como até hoje gosto de escrever.

Quando era menininha, era desse jeito: nem bem se falava na Parahyba, lá vinha aquela sensação estranha, a garganta grossa, o olho crescendo dentro da órbita, enchendo de água, e tudo isso sem saber por quê. Nos comícios, quando o candidato, na empolgação do discurso, soltava a oratória e a palavra Parahyba se desenhava no céu gelado de Campina Grande, o meu céu interior rebentava em estrelas.

Mais tarde, vivendo fora, a saudade era tão doída, era uma necessidade de voltar, de respirar o ar e de ver o céu, de ver a BR se estirando na minha frente, me trazendo de volta a paisagem conhecida e as curvas sensuais da serra da Borborema, como uma mulher deitada de lado à espera do amante.

Andar na rua, na feira de Campina, ouvindo a fala paraibana, doce como caldo de cana, com suas frases incompletas. Os mitos da minha infância, pela voz de inúmeras empregadas e agregadas oriundas do Cariri, região onde Mamãe havia nascido, na minúscula mas orgulhosa Coxixola.

Parahyba cheia de faces: Pilar de Zé Lins do Rego, Taperoá de Ariano Suassuna, Cabaceiras de Félix Araújo, Pau d'Arco de Augusto dos Anjos, Areia de Pedro Américo... E o Cariri da minha mãe, berço dos meus mitos fundadores, valores que até hoje guiam a minha vida: honra, destemor, ódio à injustiça, respeito à palavra empenhada, gratidão, valores impressos com o fogo do exemplo no meu coração. E quando Vinicius, no poema citado diz que tem “...vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias/ De minha pátria,” eu também sinto vontade de esquecer essa bandeira de luto e sangue e no seu lugar colocar uma bandeira de ouro, azul e esperança, uma bandeira amorosa e gentil, que seja mais parecida com a gente.

Como o poeta, eu quis rever-te, pátria minha Parahyba, e para rever-te esqueci de tudo. Deixei casa-livros-gatos-filhos e trinta e cinco anos de vida em Natal e estou de volta, agasalhada em Manaira, tomando conta de ti, minha Parahyba amada, para que ninguém se meta a besta pro teu lado. Porque tu és Parahyba, e és a minha pátria.

Clotilde Tavares

Publicada no Jornal A União, de João Pessoa/PB, em 1/2/2006
Enviado pela autora

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