Caldas; ou Caldas Novas. Daí o gentílico “caldense” – que vale para qualquer outra cidade que tenha a palavra “caldas” em seu topônimo – e o corretíssimo “caldas-novense”, que eu prefiro porque nos difere dos das demais. Éramos muito pouca gente, os de Caldas Novas daqueles anos de 40, 509 ou 60 do século passado. E tínhamos lá um Heráclito, sobrenome Ala – família exclusivamente caldas-novense. Heráclito, filósofo grego nascido em Éfeso, foi quem ensinou à humanidade que tempo e lugar mudam sempre, e muda o rio, e mudam as pessoas...
Falo agora de uma Caldas Novas bem heracliana (ou seria heracliteana? Deixo isso por conta dos filólogos), a minha cidade de infância, a que não mais existe porque não mais é a mesma. Do velho centrinho (como dizem lá), restou o traçado urbano de José Teófilo de Godói, poeta e engenheiro; e o desenho do jardim da pracinha que hoje tem o nome do Mestre Orlando Rodrigues da Cunha. De tudo o mais, nada resta, porque as solenes e vetustas casas cederam suas fachadas para o ofício do comércio que explora os turistas.
Os meninos espalhavam-se aos onze anos, era hora de ir para os colégios; nas férias, reencontravam-se e, ano a ano, as coisas mudavam um pouco mais. Banho quente na natureza, frutas saudáveis em frondosas árvores de quintais – jabuticaba, manga e caju; depois, pamonha porque era verão. E aí chegou o tempo de se estar em Goiânia, mas já não éramos mais os meninos interioranos, e sim rapazes com trejeitos urbanos.
Casamo-nos, quase todos; separamo-nos, muitos de nós. Alguns recasamos, outros sumiram por aí. Mas a lembrança e a saudade, irmãs gêmeas quase que perfeitas, estalam do fundo da memória e beliscam nossas emoções. Isto se dá sempre que a gente se reencontra.
Quase ninguém entende o fato de eu não me sentir ligado à atual Caldas Novas. Ó, gente! Isso é muito fácil de explicar e a essência está muito longe no tempo (em poucos casos um advérbio se presta a exprimir espaço ou tempo; “longe” vale para as duas situações, mas “onde” é exclusivo de espaço, embora muitos jornalistas, acadêmicos e políticos insistam em usá-lo como advérbio de tempo). A definição foi dita por ele, Heráclito, seis séculos antes de Cristo.
É isso o que acontece com a terra em que nasci; preciso lembrar Bilac? “Criança! Não verás país nenhum como este!” ? e Drummond – “Itabira é apenas um retrato na parede / mas como dói!”. Dói lembrar as ruas de cascalho avermelhado, os dois bares, as duas farmácias, os dois açougues – porque udenista não comprava em estabelecimento de pessedista, e vice-versa? a única igreja, a única quase solidão...
Luiz de Aquino