CIDADES BRASILEIRAS

 

MACEIÓ, UMA ELEGIA PARA OS QUE AINDA OUSAM SONHAR

A cidade emerge no meu riso matinal e o sol faz paradeiro nos meus passos insones, revirando ruas, redimindo pesares, remorsos e alucinações de minha alma desafortunada nessa paradisíaca paragem.
É tudo muito lindo premiando o meu devaneio e eu recito loas pelas beiradas da idéia, pelas transversais, perpendiculares, pelas abissais paralelas do meu exílio atrevido, de minha presença castigada a reconhecer punição no que de vário se faz real no explendor do mar onde se lavam culpas, no negrume do asfalto onde se pisunham esperanças, na imensidão do espaço onde se constroem todas as avenças.
É outro dia sempre e a gente a sonhar com o estrondo da felicidade mesmo que tudo seja apenas feito de partidas e chegadas no desencontro dos anseios.
É outro dia sempre e a gente com o ponto de partida circunscrito na incerteza, como se a regra desse jogo fosse sempre o confronto da distância entre começar e acabar, sem ter prorrogação na morte súbita indesejada.
É outro dia e sempre a cidade emerge na minha finitude atlântica que bordeja pelas apaziguadoras ruas breves da Mangabeiras e se arrasta na expectativa da Jatiúca, aderna pelo emaranhado da Ponta Verde, singra pela beira-mar da Pajuçara e dá nos cotovelos rentes com a fabularia do Jaraguá. É lá onde me eternizo nas cinzas.
Adiante está a lama do Salgadinho empestando a Avenida onde uma guerra oculta cospe mulheres paridas e deserdadas dos arredores do Tabuleiro dos Martins e homens ciclópicos que ululam desmemoriados de tudo sem nada, oriundos do longe mais distante das bandas de lá além do Mundaú e que povoam a superfície perversa da exclusão.
E me refaço porque é outro dia e sempre me esforço subindo a rodoviária até o Farol onde contemplo de tudo: a fantástica panorâmica, o silêncio dos roncos cansados, a espera dos madrugadores por condução, a perspectiva que bate as botas em Cruz das Almas e o meu desejo que escorre descendo o Riacho Doce e se esquece dos pleitos que se tornaram causas inúteis revogadas previamente pelos tribunais de então.
Mas é outro dia sempre e as crianças no meio fio da madrugada com seu cobertor de mar e de noite com sonhos incertos no barulho do trânsito indômito.
É outro dia e um punhado de adultos amontoam o teatro cristão com o berreiro dos desentoados em preces devotadas com seus sotaques e timbres nas rezas por seus dissabores, por remuetas embaçadas, por sacrifícios ostentatórios, pela salvação das almas da ignomínia.
E tudo parece um abstrato aceno de paradoxais festeiros na celebração da tragédia pelas mesquinharias políticas, pela soberba nos limites onde o canavial impera ao lado dos alguns poucos privilégios de gados nos pastos de outro tabuleiro, onde amadurece a desimportância da oportunidade e todos são escravos do passado mesmo que se achem senhores de si e do futuro, mesmo que a vida seja um lapso de tempo nas causas perdidas.
Mesmo assim a cidade emerge e meu coração se avexa com o tumulto do dia e se esboroa pela tarde e faz aconchego na noite que anuncia outro dia para um mais que desejoso amanhã.
Amanhã que já será hoje, hoje que será ontem e tudo que esquecerá.
E esquecendo não veja criança estendida na calçada da manhã, nem pedinte mendigando no semáforo, nem velho xingado nas filas, nem violência como efeito da desigualdade, porque os adultos ciosos acordaram de si e vingaram o humano à revelia, no sonho de todos os sonhos.
A verdade é que a cidade emerge nos meus olhos e já é outro dia.
Mesmo assim, continuo atrevido e teimoso de sonhos, enquanto o meu coração bate buliçoso e atônito pelas ruas de Maceió, entoando uma elegia para os que ainda ousam sonhar.

Luiz Alberto Machado

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