A lenda da Pedra da Gávea
O fascínio e a permanência de uma lenda desafiam até mesmo a ciência. Talvez, se um dia inventarem uma máquina do tempo que leve as pessoas em viagens que realmente mostrem a chamada “verdade dos fatos”, as lendas deixem de fazer parte da História e todos os mistérios sejam, enfim, desvendados. Pode ser. Mas enquanto isso...
No Rio de Janeiro, uma lenda que atravessa séculos é a da Pedra da Gávea. Seu mistério começa pelo seu próprio formato, que vista de um ângulo lembra nitidamente a imagem de um rosto. E aí começa a lenda. Este rosto teria sido esculpido à imagem e semelhança do rei fenício Badezir, que estaria sepultado numa cavidade dentro da pedra. Além disso, no rosto existem inscrições que também podem ser de origem fenícia. O mistério teria surgido no início do século XIX, quando Frei Custódio, um especialista em inscrições em pedras, teria entregue a D. João VI, príncipe-regente do Brasil, um relatório falando das misteriosas inscrições na Pedra de Gávea, que poderiam indicar a presença de outras civilizações no território brasileiro bem antes dos portugueses.
Mas foi só em 1839 que pela primeira vez estudiosos resolveram investigar profundamente a Pedra da Gávea. Formada por historiadores importantes como Manuel de Araújo Porto Alegre (nome de uma rua no centro do Rio) e o cônego Januário da Cunha Barbosa, a comissão do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) subiu a pedra, descrita por Januário como “uma montanha do litoral do Rio de Janeiro, ao sul da Barra, possuindo uma inscrição com caracteres fenícios, já há muito destruídos pelo tempo e que revelam grande antiguidade”.
O relatório foi bastante decepcionante, revelando vagas informações sobre “uns sulcos gravados pela natureza”, levantando a dúvida se os historiadores do IHGB realmente estiveram lá ou se observaram a pedra com um binóculo.
Quase cem anos depois, alguns aventureiros resolveram fazer uma expedição em busca do túmulo do rei. Fizeram algumas escavações, mas logo desistiram da empreitada. Dois anos depois, um grupo maior, com 85 montanhistas, subiu a pedra. O máximo que conseguiram foi assistir a uma palestra do professor de História Alfredo dos Anjos sobre a origem da “Cabeça do Imperador”.
Bernardo de Azevedo da Silva Ramos publicou, no volume I da sua obra “Inscrição e tradições da América Pré-histórica”, um estudo sobre a suposta inscrição fenícia. Bernardo, que dedicou a vida ao exame e decifração de inscrições rupestres no Brasil e no resto do mundo, concluiu que a inscrição da Pedra da Gávea não era resultado de erosão ou qualquer outro acidente natural e sim realmente resultado de uma mensagem escrita pelo homem.
Segundo o professor, o que está escrito é: LAABHTES-RAB-RIZDAB-NAISINEOF-RUZT. Mas como os fenícios, segundo Bernardo Ramos, escreviam de forma inversa aos latinos, a inscrição correta é a seguinte: TZUR-FOENISIAN-BADZIR-BAR-JETBBAAL. O que, no bom português, significa: TIRO-FENÍCIA-BADEZIR-PRIMOGÊNITO DE JETHBAAL.
Tiro, ou Tyro, significa Rochedo Forte e era a capital da Fenícia, que também era chamada de Tsor, Tsur ou Tzur. Houve também entre aquele povo um rei chamado Baalazar ou Badezir, que reinou entre 855 e 850 a .C e era filho de seu antecessor, Itobaal ou Iethbaal, que reinou de 887 a 855 a .C.
No dia 28 de julho do ano 2000, uma equipe de cientistas da UFRJ e da Uerj, acompanhada de repórteres e guiados por um montanhista, chegou ao alto da Pedra da Gávea, com seus 842 metros de altura, após 14 horas de caminhada. Na bagagem, um radar de penetração do solo, a fim de que fossem feitos estudos mais detalhados na rocha.
Se houvesse a comprovação de algum tipo de cavidade, o mistério sobre a tumba do rei Badezir poderia resistir mais tempo. Os cientistas, no entanto, decepcionaram os adeptos da lenda, ao afirmarem que a rocha é maciça, sem qualquer possibilidade de reentrância, túnel ou caverna. As inscrições, segundo eles, não passam de falhas geológicas. “Com as intempéries, os minerais mais sensíveis gastam e o resultado ficou com a aparência de inscrições” – afirmou o geólogo Marco André Malmann Medeiros, da Uerj, em matéria publicado no jornal "O Globo".
Bem próximo do cume da pedra existe o “portal dos fenícios”, uma cavidade retangular de 15 metros de altura. Como não poderia deixar de ser, também é objeto de lendas, como a de que o portal seria o caminho para Agarta, um império subterrâneo com milhares de habitantes. O portal tem 15 metros de altura, sete de largura e dois de profundidade.
André Luís Mansur
(Com pesquisa de Ronaldo Morais)