CIDADES BRASILEIRAS


Em um Certo Tempo na Cidade de Zequinha de Abreu

Na rua tranqüila e bela com suas casas térreas alinhadas, calçadas desenhadas por pedras amarelas e pretas sugerem o capricho de mãos dedicadas ao trabalho da transformação da natureza e na manutenção da ordem do mundo.

Músicas carnavalescas dominavam o encantamento da pouca idade. Havia para eles a certeza de que o mundo estava sendo criado, a sociedade e o universo todo, passível de grandes transformações deveriam ser ajustados para o atendimento da integridade de suas idades.

“Lili tem dezessete anos... e já quer dar seu coração... Cuidado Lili, cuidado...”

As muitas Lilis conjeturavam: mas não haverá contratempo, tudo será como deve ser. Somos jovens...

Amores históricos cantados a esmo, como Dalila e Sansão, misturavam-se a amores de livros didáticos como, Cleópatra e Marco Antônio.

Na pequena biblioteca escolar, a Coleção das Moças atendia romantismos exagerados, contrários a realidade. Com alguma sorte podia-se ler A Dama das Camélias, antes de conhecer Greta Garbo.

Estudantes confiantes prometiam o futuro da cidade. Seus mundos estavam inteiros. Pais, na maioria oriundos da velha Itália, se sacrificavam no empenho de legar uma condição de vida melhor aos seus pimpolhos, que nunca saberiam disso.

Aqui, na coerência da cidade, o velho calçamento de paralelepípedos, que ninguém pensava nas mãos que o fizeram, rangia sob rodas de carros, brilhava ao sol forte e livre de poluição e era lavado pelas águas brancas e abundantes de chuvas ocasionais.

Árvores pequenas, iguais em suas podas uniformizadas iam decorando e acentuando a linha reta das ruas.

A cajamangueira próxima da Escola, mesmo com frutos azedos, aguçava o apetite da juventude. Próximo da escadaria uma única planta teimava em sobreviver para mostrar a força da Natureza e apresentava uma camélia branca.

Nem se pensava que pelas calçadas meticulosamente trabalhadas pisaram seus avós, seus pais e num futuro que chegaria, seus netos.

O céu seria sempre o mesmo. Em seu profundo azul escuro, noturno, mostraria exuberante suas estrelas mais ilustres: O Cruzeiro do Sul, As três Marias, a Estrela Dalva. Todas cumprindo o seu papel no Universo pouco conhecido.

No único e velho cinema, encontro social e cultural, os filmes demoravam a chegar. Vez ou outra, um baile que nem todos conseguiam ir. No jardim da Igreja Matriz, dormitavam animaizinhos de plantas feitos por mãos humanas.

Tico-tico no Fubá chegou em forma de filme, mostrando à nova geração como Zequinha de Abreu era bonito na pessoa de Anselmo Duarte.

Tônia Carrero encarnava a musicalmente eternizada Branca e Zequinha de Abreu sofria mais pelos amores do que pela batalha da vida e da arte... Na vida, perdedor, na arte, vencedor. Assim foi o filme.

Enquanto isso, Tico-tico no Fubá percorria o mundo todo com orquestração de diferentes países. Nos Estados Unidos, na voz e ginga de Carmem Miranda. Mas Zequinha de Abreu já não morava entre nós para saber.

E para que ninguém, rico ou pobre, velho ou moço se sentisse só, o relógio da torre da Igreja batia as horas e as meias horas, duas vezes. Diurnamente, noturnamente, lentamente, sonoramente, aconchegantemente.

A Cidade da infância e da juventude acompanha para sempre os que ali estiveram e dela participaram.

Djanira Pio

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