barcelona, junho de 2000.

leila,

Palavras. A beleza das palavras: cânhamo, linho, centeio, unicórnio, carnívoro. O som: os sinos tocam. É um dia de calor intenso de final de primavera. Sinto uma sensação genuína enquanto ouço Astor Piazzola, o músico argentino. Final de tarde, o sol vermelho. Planto hortelã e arruda no meu jardim de pedra, são os novos companheiros da aloé vera, das gardênias rosadas e das marijuanas. Um pequeno jardim sem juncos, girassóis, ásteres, boa-noite, lírios-azuis, ervilhas-de-cheiro. Gosto cada vez mais de cuidar de plantas, conversar com elas, limpar suas folhas Enquanto estamos juntos lembro que um ano atrás estava numa cidade ligada à Ordem dos Templários: Tomar. No sopé do morro, o castelo fundado em 1160. Um castelo que abriga o Convento de Cristo. As forças espirituais que o criaram. As muralhas lembrando o Castelo dos Mouros— em Sintra —, a Charola de traço bizantino e a réplica do Santo Sepulcro, a torre, os claustros, os jardins renascentistas, o gótico flamejante, a nave manuelina, pórticos magníficos. Vislumbres penetrantes da vida das coisas. Longas caminhadas entre laranjais maduros, a relva do brejo, as árvores e as flores e o céu - um tremor no corpo, um mar de púrpura no coração. E logo à noite estrelas, vaga-lumes que nem minúsculos fogos de artifício, mães-d'águas nas fontes e um negro jade deslizavam uns sobre os outros. Tomar é uma das minhas "cidades invisíveis". Sou um homem de ausências, monumentos históricos, florestas, águas, o fluir dos rios, a divindade das montanhas, os bosques selvagens, as grandes árvores — o poder viver do que não posso reviver. O meu espírito perde-se na sublimidade da sua própria contemplação. Por onde vou? Por onde me perdi? Me entrego aos delírios: lá vou a verde-metálica floresta de Sherwood, como um dos homens verdes neste local mítico de resistência a déspotas e a cobradores de impostos; as margens de rios mágicos da antigüidades, "fontes de vida" — o Nilo e o Jordão; sou um dos Irmãos Grimm, publicando em 1813, Velhas Florestas Alemãs (Aldeutsch Wälder): antologias de poesia medieval, lendas e fábulas, anedotas, piadas e provérbios e canções e até guias para as tradições populares das plantas e das flores. Sou um homem no caminho que não sei: dálias, ouriços-do-mar e sempre-vivas. Não vou para onde não desejo ir. Fico ouvindo onde alguma coisa se esconde. Estou farto dos políticos, televisão, eterna juventude, êxito profissional e outras quinquilharias cintilantes- e faço um esforço para ser agradável, pois quem dá por escrito dá duas vezes em nada tanto quanto numa carta. Leio Marianne Moore: "Sob os astros incandescentes / sob o fruto incandescente, / a estranha experiência da beleza; / sua existência é demasiada; dilacera / e cada onda nova de consciência / é veneno". O bem que se desfruta. Outras palavras: lótus, gafanhoto, anêmona, topázio, urze, esperança, amor. Tudo que diz respeito ao amor é um mistério. O que se pode fazer com ele? E sem ele? — este selvagem. O que se pode fazer para continuar neste toque visionário e final? Escrevo uma carta. Escrevo uma carta que tem uma grande melancolia de manhã e uma grande satisfação à tarde. Escrevo para você, minha querida. PARABÉNS E FORÇA NO SEU TRABALHO LITERÁRIO! QUE VIVA BLOCOS! Paz,

Antonio Júnior


 
 
 

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