DUAS CARTAS DE UILCON PEREIRA A ARICY CURVELLO

III
Aricy, mestre
falei em Rio Preto, na Faculdade sobre os meus livros e foi um desastre: pouca gente, desânimo, desinteresse de todos por tudo, cansaço meu, clima de final de época.
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e indiquei você e Leila (*) para o Festival de Ouro Preto, julho, curso a respeito de literatura alternativa: será que o convite chegou até você?

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estive com o Fábio, aqui na Roça Grande, segunda e terça, ele em banca de tese; falamos sempre e muito de você, seus poemas, o texto sobre meu livro...........
um abração procê
Uilcon  17 maio 87
 
 

IV
Aricy, meu irmão
cheguei, e mergulhei direto em Cataguases 12 (**)
emoção integral, completa, terminal
beleza plena jornal, paginação, visual, ilustrações, título, seu texto, companheiros desta edição comoção em estado puro hoje me restabeleci, três dias após, e já posso escrever-lhe com a "tranquilidade posta em sossego
ächo assim: final de um ciclo meu
um ciclo — experiências meio às cegas, sem projeto definido, vôo para o que desse e/ou viesse, tipo acerto-e-erro, em labirintos mais desconfianças que certezas
improvisações, pressas, desbundes, facilidades — pecados nítidos
equívocos bem transparentes
apesar disso — graças aos deuses do verbo! — recolhi alguns amigos, grupo de apoio, cúmplices: você, Fábio, Elisa, Hygia, César, Luz, 10 ou 12 mais, talvez cem ou duzentos, como sabê-lo?
havia uma força na trilogia, um elan, um elan, un "frisson", a poesia da linguagem, pulsões e tensões, fantasmas e obsessões — lá isso eu reconheço sim muita radicalidade, coragem, ousadia quase de um pré-suicida, entra a vingança e o tédio, a meio caminho entre a loucura e a profecia
assim: como aflorou, eu desovei, para libertar-me
apague o lado confessinal disso tudo, acima
mas servem para desenhar-lhe o contexto, papo entre amigos/irmãos, neste final de Sábado, entardecer meio outonal, sol vermelho e algum frio dizendo de forma vulgar e literal: mijei nas calças de tanta alegria, no consultório da dentista, minha mãe na cadeira e eu recebendo a correspondência do mês (passado nas Gerais: 14 alunos, 12 continhos produzidos, 5 ou 5 geniais, sucesso "pedagógico")
e desconfio que muita gente vai mijar sangue de ciúmes, raiva e desespero
sempre gostei de escolher também os meus inimigos de estimação,
e os invejosos de plantão                 deixe pra lá, é emoção menor. esta                    por outro lado — principalmente, quero falar-lhe disto, hoje, hoje mesmo e ainda — aumentaram as responsabilidades, já não posso permitir que o "amador" impere, o saque, o chutão preciso/devo trabalhar mais coerentemente, a partir de linhas gerais bem definidas: um programa, enfim, por mínimo que seja, minimal e explícito                         então ruidurbano será escrito de novo, sim, porém na base da reflexão, consciência, calma, maturidade
            acho que esta é a sua contribuição maior, em termos de ajuda, auxílio, empurrão — mais exame crítico e menos porralouquice... aliás, vou abrir espaço à maneira galega: mais tempo (efetivo, material) para a ficção, empenho total, a partir de agora — jogo final em fez de final de jogo
abração e vontade de papo
Uilcon 1/ago/87
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(*)     a poeta e novelista carioca Leila Míccolis
(**)   O Supl. Cataguases nº 12, em que Rosário François Fusco, o editor, teve o descortínio e atenção de publicar o ensaio de Aricy Curvello sobre os três romances de Uilcon Pereira.

Do livro: "Uilcon Pereira no coração  dos boatos", org. Aricy Curvello, 2000, Editoras Giordano/RS e Age/SP


 
 
 

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