S. Paulo, 9-12-1904

Esta é a última que te escrevo como estudante. A`estas horas estarei bacharel em ciências jurídicas e sociais — doutor Lobato! A sensação há de ser  a que me causou a primeira calça comprida. Que vergonha de todo mundo, meu Deus! A impressão era de que o universo inteiro cravava os olhos em mim e sorria ironicamente. Adeus. Receba lá o último abraço do Lobatinho que vai ser guilhotinado ao meio dia — e por antecipação receba também o primeiro abraço do breve e grave Dr. Monteiro Lobato.
                                                                                                             LOBATO

P. S. – Veio de retorno o meu Nietzsche. Chegou bem de viagem e através das notas marginais disse-me que... que... que só te procurará em novos volumes alguns anos mais tarde, depois que o meu amigo Rangel amadurecer um pouco mais. Impertinente este alemão, não é verdade?
Emerson é americano — e grande. Estou à espera de Representante Men. O seu ensaio sobre a Narueza ensinou-me algo bastante curioso: se você olhar uma paisagem por entre as pernas, quero dizer, com os olhos de “cabeça para baixo”, a paisagem fica uma coisa nova. Experimente.

Do livro: “A Barca de Gleyre” – Quarenta anos de Correspondência literária entre Monteiro Lobato e Godofredo Rangel – 1º tomo, Ed. Brasiliense, SP, 1957

Monteiro Lobato

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