Querido Felipe,
Detesto índios. Estranho iniciar uma carta com uma frase como esta, não?Talvez. Mas começo com uma das inúmeras verdades absurdas que existem em mim. Detesto índios. da mesma forma que detesto apologias à natureza, o som do choque da cebola entre meus dentes, pretensos intelectuais de porta de bar discutindo sobre Nietzche, gente que tenta ser moderna falando sobre terapias japonesas e amores intensos, como o nosso, que se tornou tão previsível, que parece ter sua sinopse estampada na Revista da TV do domingo.
Quando você colocou João Gilberto, lembrei de Laços de Família. Imaginei-me em Ipanema, sorrindo e acenando para um possível final feliz. Eu sei que a felicidade parece só existir para aqueles casais de comédias românticas. Nunca vi, em I Love Lucy, ela se queixar que o casamento tornou-se uma rotina. Não quero beijos, na chuva. Acho isso ultrapassado e meio cafona. Mas, seria muito desejar um pouco de paixão?Acho que mereço. Se bem, que sei que amor não é uma questão de merecimento. Caso contrário, todo mundo que é gente-fina estaria andando em pares. Na verdade, acho que as coisas funcionam de uma forma inversa. Geralmente, quem dizemos ser gente-fina são pessoas pouco atraentes e, não podemos negar, amamos, primeiramente, o que lemos em rótulos. Amamos que não nos dá atenção e parece caro demais. Encontrei uma boa explicação para o fascínio das roupas de alta costura, não?Já sei, vou colocar uma etiqueta presa na minha pulseira e vou olhar para o lado quando você passar. Será que vai dar resultado?
Nos conhecemos com os traseiros enfiados na terra. Sentados numa grama pisada por pés de origem desconhecida. Nossa trilha sonora não poderia ser pior:axé. Uma série de acasos que ocorrem, todos os dias e passam despercebidos, te levaram à mim. Você vestia uma camiseta ridícula, que só de olhar, me causava repulsa. Mesmo assim, te beijei. Você ainda era um completo estranho. Não costumo seguir à risca as orientações de minha mãe. Acho que o mundo é colorido e falo com pessoas que não conheço. Troco e-mails com gente que encontro na fila do banco, brinco com os filhos alheios e, em casos especialíssimos, chego até a beijar desconhecidos. Este foi o seu caso. Prefiro mil vezes um beijo estranho a beijo que-não-encosta-o-rosto de tia.
Minhas amigas, com tom de desprezo, adoram me dizer: “Mas, ele é só um garoto!”. Falam isso porque nunca amaram. Querem me deixar com complexo de pedófila. Será que já ouviram Eduardo e Mônica?Confesso, que ainda não me acostumei em ser a pessoa que dá conselhos jurídicos e calça sapatos de bico fino. Não têm três anos, que um Reebok preto estava colado em meus pés. Onde foi parar minha calça jeans surrada predileta?De repente, o tempo passou. E agora, aqui estou, sentada nessa charmosa mesa, brincando de decidir futuros, tratando as pessoas como se fossem minhas Barbies. Acho cruel não terem me avisado que iria crescer. Eu, também, sou só uma garota. Não resisto a uma Capricho e ainda compro adesivos para colar em meu diário que virou agenda. Cadê o príncipe encantado que os contos de fadas me prometeram?Achei que fosse você.
Pensamentos bolas de neve surgem. constantemente, em minha cabeça. Acredito em todos eles, piamente. Imagino que seu atraso aconteceu devido a um encontro amoroso e começo a arrumar minhas malas. Sou dramática por natureza.
Sou do tipo que fica mal-humorada por nada e dá gargalhadas escandalosas quando ouve pela trigésima vez, a piada do Não, nem eu. Tem certas coisas, que o tempo não consegue mudar. Como Hipoglós, por exemplo. Cresci, mas vou ser sempre uma pessoa de extremos. Sinto amor ou ódio. Sou como a passagem bíblica:”Seja quente ou frio, porque morno, eu te vomito”. É por isso, que não aceito mais esse amor quinze graus que você insiste em me oferecer. E este é o motivo desta carta. Pelo menos, se ela não fizer surtir algum efeito, terei transformado em arte a mais bela história de amor que conheci.
Se falei demais, peço desculpas. Você me conhece, sabe que sou do tipo de pessoa, que diz que coisas terríveis e se arrepende, logo depois, com medo de ter machucado. Gostaria ter uma máquina do tempo e voltar para o dia em que começamos.
Finalizando, desejo que você, independente de mim, ame muito e seja feliz. Porque viver sem amor é a pior coisa. Porque amar você me faz uma pessoa melhor e me permite até esquecer o meu ódio por coisas tolas.
Beijos,
Renata
Releu e colocou no envelope. ”Todas as cartas de amor são ridículas”. Sentiu-se envergonhada com tanta pieguice e acendeu o fósforo. Fiat Lux. Cinzas se espalharam pela noite.
Renata Belmonte