DUAS CARTAS DE MACHADO A NABUCO

RJ, 14 jan. 1882.

Meu caro Nabuco.
Escrevo esta carta prestes a sair da Corte por uns dois meses, a fim de restaurar as forças perdidas no trabalho extraordinário que tive em 1880 e 1881.
A carta é pequena e tem um objeto especial.
Talvez V. já saiba que morreu a senhora do Arsênio. O que não sabe, mas pode imaginar, é o estado a que ficou reduzida aquela moça tão bonita. Nunca supus que a veria morrer.
Vamos agora ao objeto especial da carta. O Arsênio, com quem estive anteontem, levou-me a ver a pedra do túmulo que ele manda levantar, e é isto o que lhe diz respeito a v. Comovido e agradecido pelas belos palavras que V. escreveu, em um dos folhetins do Jornal Comércio, a respeito de D. Marianinha, mandou gravar algumas delas na pedra da sepultura, e esse é o único epitáfio, Ele mesmo pediu-me que lhe dissesse isso, acrescentando que não agradeceu logo a referência do folhetim, por não saber quem era o autor. Disse-me também que me daria para V., um retrato fotografado da senhora.
Vou para fora, corno disse, mas V. pode mandar as suas cartas com endereço à Secretaria da agricultura.
Adeus, meu caro Nabuco. Estou certo de que V. lerá o recado do Arsênio com a mesma emoção com que o ouvi. Pobre Marianinha! Adeus, e escreva ao
am.º do coração
MACHADO DE ASSIS.

RJ, 29 mai. 1882.

Meu caro Nabuco.
Há cerca de um mês que esta carta devera ter seguido mas o propósito em que estava de escrever urna longa carta foi retardando a resposta à sua, e daí a demora. " Valha a desculpa, se não vale o canto."  E  o canto aqui não vale muito, porque afinal vai uma carta mínima, como vê, não querendo prolongar estes adiamentos.
Transmiti ao Arsênio suas palavras, e a autorização que lhe deu para o epitáfio, Ele ficou  muito agradecido. Não vi ainda o epitáfio na própria pedra. Ninguém que o veja deixará de reconhecer que era a mais bela homenagem à finada, e o melhor agradecimento ao autor.
Compreendo a sua nostalgia, e não menos compreendo a consolacão que traz a ausência.  Para nós, seus amigos, se alguma consolação há,  é a têmpera que este exílio lhe há de dar, e a vantagem de não ser  obrigado a uma luta vã  ou uma trégua voluntária. A sua hora há de vir.
Tenho lido e aplaudido as suas correspondências. Ainda hoje vem uma, e vou lê-la depois que acabar esta carta, porque são nove horas da manhã, e a mala fecha-se às dez. E a minha opinião creio que é a de todos.
Agradeço muito os oferecimentos que me faz, e anoto-os para ocasião oportuna, se a houver. Quanto aos retalhos de jornais, quando os achar merecedores da transmissão, aceite-os com muito prazer.
Minha mulher agradece as suas recomendações e pede-me que lhas retribua. Pela minha parte, creio escusado dizer a afeição que lhe tenho, e a admiração que me inspira. A impressão que V. me faz é a que faria (suponhamos) um grego dos bons tempos da Hélade no espírito desencantado de um budista. Com esta indicação, V. me compreenderá.
Adeus, meu caro Nabuco. Você tem a mocidade a fé e o futuro; a sua estrela há de luzir, para alegria dos seus amigos, e confusão dos seus invejosos. Um abraço do
am.º do coração
M. DE ASSIS.

Machado de Assis

In: Machado de Assis, Obra Completa , vol. III, Editora Nova Aguilar, 1994, RJ
Do site: http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/obras.html

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