Rio, 9 de julho de 1931
Alcântara, meu velho amigo, que ainda no domingo passado citei com tanta alegria, então é certo que eu vou estudar teologia na Alemanha e que brigamos por causa de D. Eugênia? Coisa séria essa de meter senhoras entre amigos velhos. Conta-se de um estudante, filho de família do sertão que se empregou aqui na Leopoldina Railway e escreveu em papel da Companhia uma carta ao Pai pedindo dinheiro. Este respondeu-lhe enfurecido que não bastava então que ele fosse vadio, vinha agora ter o topete de escrever ao seu Pai no papel da amante! D. Leopoldina ou D. Eugênia tanto faz. Mas sempre me deixou um pouco impressionado por causa de uma palavra final, " abraço não íntimo mas amigo". Que quer dizer tudo isso? Então você acredita que escrever cartas é o único sinal de amizade e intimidade? Então porque este pobre diabo tem uma vida apertadíssima, como a sua, perdeu de todo aquela intimidade grande e fácil com que você sempre o presenteou? Escreva-me tranqülizando-me e não brinque com essas coisas sérias...
Lamentei de verdade que não o tivesse visto em São Paulo. Ando agora às voltas com a redação em peso do Diário Nacional, que me veio fazer o extremo favor de ilustrar as minhas teses sobre o espírito da burguesia de nossos dias. Ao Mário não escrevi a respeito do seu artigo n° I, tão cheio de um carinho sincero por este velho porco-espinho porque não quis parecer agradecer o que vinha tão fundo do fundo do coração. Disseram-me que ele escreveu um artigo II atacando minhas idéias. Não li. Aqui leio com intervalos os jornais daí e mesmo os daqui só quando não há remédio. A meu ver, tudo no mundo entraria nos eixos se suprimissem a imprensa. Seria pelo menos um bom começo de reforma. Estimo saber que v. está trabalhando com afinco no Anchieta a ponto de não sair sistematicamente de noite. Vamos ter então qualquer coisa de formidável. Eu te conheço. O artigo é mais do que fraquinho. É bom que o camaradinha cozinhe mais alguns anos as caraminholas que tem na cabeça.
Quando me manda alguma coisa para a nossa Ordem. Ainda posso dizer assim?
Um grande abraço no seu Pai.
Seu velho
Alceu
Alceu Amoroso Lima
Do livro: "Intelectuais na encruzilhada - correspondência de Alceu Amoroso Lima e Antonio de Alcâ ntara Machado (1927-1933)", org. e notas de Francisco de Assis Barbosa, ABL, 2001, RJ.