Recife, 21 de maio de 1907

Prezada Sinhá-Mocinha (*),

Acuso o recebimento de sua alvissareira cartinha. Fiquei sabendo das notícias de casa nestas duas últimas semanas de maio com suas tonalidades místicas, tão bonito de apreciar-se nessas plagas retratadas no meu espírito, na sensibilidade que os nossos antepassados transmitiram.

Faço veementes votos pela continuação da preciosa saúde de VM.s e de todos de casa Quanto a mim estou são.

Minha vida social aqui decorre dos meus atos simples de estudante apegado aos livros. Leio de manhã à noite, não paro de ler numa feber de colher maiores conhecimentos que alguns colegas, não sei se por incapacidade, demonstram aborrecer-se, reprovando-me a dedicação a ponto de recusar freqüência a festinhasa de família. Tem um deles, engraçado, com tintas de filósofo, que diz estar eu “perdendo o tempo”. Francamente, eu ás vezes assim penso, mas sigo o meu destino.

Continua-se falando em política por entre fatos tristes e também pitorescos, uns atingindo o absurdo, outros com possibilidades aparentes. Mas entre todos, elevando-se a quaisquer outros numa atitude de reserva sombria, ressalta a do suicídio do Dr. Tito Rosa, lente da Faculdade de Direito. O que produz grande rumor de estranheza é semelhante ato de desespero ser levado a efeito por um homem que o Dr. Constâncio Pontual considerava o mais equilibrado de todos os seus colegas.

Quanto aos livros que Papá deve estudar, passo a steria-los: Copêndio de física e Química de Langlebert, Geometria de Trajano ou de Ottoni.

O cacho de flores do tamarindo inspirou à minha escassa faculdade improvisatória os seguintes versos:

Não é mais formosa a aurora!
Que cacho de flores lindo
Parece um menino rindo
No altar de Nossa Senhora
E, depois, que dor me abrasa,
Meu Deus, que desesperança!
Cada flor é uma lembrança
Da gente de minha casa.
Como a vida parece
Triste, sem o tamarindo,
Ah! Se ele tivesse vindo
Mas foi “melhor” que não viesse!
Foi melhor, e a alma não erra
Porque para alma exilada
É melhor nunca ver nada
Dos campos de sua terra.
Às vezes basta uma flor
Para repentinamente
Assim como um ferro quente
Eternizar nossa dor.
Não posso estar bem aqui!
Nem sei mesmo se há lugar
Que eu possa um dia trocar
Pela terra em que nasci
Todos os dias eu vou
À rua das minhas dores,
Mostrar o cacho de flores
Que minha mãe me mandou
Saudades a todos e de todos.

Abrace e abençoe o Filho do coração

Augusto dos Anjos

Do livro: "Obra completa", org. Alexei Bueno, Nova Aguilar, RJ, 1994

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(*) Carta à Mãe, D. Córdula Carvalho Carvalho dos Anjos

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