CORRESPONDÊNCIA ENTRE LÁZARO BARRETO E CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

A primeira carta recebida de Carlos Drummond de Andrade é de 07/10/1963. A última foi em 11/08/1986.

Toda a correspondência é constituída de: 11 cartas, 15 cartões e 8 poemas especiais, manuscritos. ao todo 34 peças, sem falar nas que extraviaram em uma exposição “cultural” promovida por um colégio da cidade, apesar de todo cuidado e prevenção de minha parte.

Procurei o poeta através de uma carta em 1963, depois de ler, praticamente, os melhores autores em prosa e verso publicados no País. Procurei o poeta como quem procura a poesia: com a sede e a fome da verdade e da beleza da vida e do mundo. E ao longo de nossa amizade, por assim dizer epistolar, ele passou-me, como a todos seus leitores, a arte de procurar a poesia.

Nas palavras dele:

“Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intacta.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colha no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceite-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
trouxeste a chave?”

Carlos Drummond de Andrade

Assim ele me perguntava, assim a poesia pergunta a todo poeta.

Em 14 de Março de 1983, ele escreveu-me:

“Rio de Janeiro, 14 de Março de 1983.
Meu caro Lázaro Barreto:

     Seu poema, que o SL do “Minas Gerais” publicou, penetrou fundo no coração deste octogenário. É das coisas mais belas e magnânimas que já recebi, sem tê-las merecido.

     A você, num abraço caloroso, o profundo
agradecimento de Carlos Drummond de Andrade.

A carta, manuscrita, como a maioria das que me mandou, refere-se ao poema que o Suplemento Literário do jornal “Minas Gerais” publicou, - que aqui transcrevo integralmente:

OS FELIZES OITENT'ANOS - Lázaro Barreto

Há quarenta mil anos que procurava
Que procurava um livro, uma sombra,
Que procurava em toda parte a cósmica alegria
E a eterna lágrima
Da dor que eu sentia como filho de Deus
E enteado do Demônio.

E foi num dia de chuva, numa praça de pedra,
Que encontrei Carlos Drummond de Andrade,
No município de Guanhães, fração do universo
Mineireiro que ele canta. Encontrei
O canto, o livro, a sombra.

Há quarenta mil anos que sondava a gruta
Do levante espanhol e da lagoa santa,
Procurava o papiro, a tábua da lei, a canção
Que encontrei nas portas abertas das montanhas
De Minas e de Drummond.

Li os poemas do homem falando com o homem,
Senti o choque e o repouso, o fluxo
Que me retém na faixa do silêncio revolucionário
Onde cada palavra é um corpo que povoa o novo mundo.
Encontrei retraídas fichas de identificação,
Delicados meios e nuances de me comunicar
Através de muros e de mares:
Essa boa, farta e mansa, chuva de versos,
Que semeia adeuses e caminhos.
Há quarenta mil anos que procurava
A sombra e o fogo dessa árvore
Que agora me embala e me sacode.

(Divinópolis/MG).

Texto enviado por Lázaro Barreto

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N.E.: Lázaro Barreto cultiva a epistolografia. Em certo trecho de um e-mail de 27 de julho de 2007, endereçado a Blocos Online, o escritor menciona o assunto: "Sei que a melhor virtude de minha pessoa é pressentir e conseguir o relacionamento/amizade/aprendizagem com pessoas que enriquecem minha vivência. Foi assim com Drummond, Murilo Rubião, Lélia Coelho Frota, Ana Hatherly, Pavla Lidmilová, Adélia Prado e Leila Miccolis. Com Adélia participo, por assim dizer, da convivência do Criador; com Leila, da convivência das criaturas. Sendo que na minha opinião os dois valores (criador e criatura) se equivalem em importância". Pretendemos, oportunamente, divulgar outras correspondências do autor.

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