De Almeida Garrett à Viscondessa da Luz, D. Rosa Montufar Infante 

3 de julho

Outra vez te escrevo d'esta abborrecida casa do Thesouro, onde hoje faz um calor horrivel aqui está presente P.P. que tambem me não faz pouca calma porém mais que tudo estes negocios financeiros que são mortaes para a minha paciência.

Recebi a tua adorada de 28.

Estás menos mal commigo: inda bem! Ochalá que ámanhan ou depois me não venham outras que espero, por que tenho reminiscencia de que outras cartas muito feias te escrevi n'este intervallo, quando me tomava a ancia e o terror de te perder de te ver demorar muito a nossa separação.

Emfim já não faltam senão 30 dias provavelmente para te eu tornar a ver!

Sabes tu, minha Rosa, que faz hoje 3 mezes justos que aqui n'este Tejo que agora estou vendo te separaste de mim? Que disseste aquelle ultimo adeus mudo mas tam expressivo, que só eu vi, e que ficou para sempre gravado na minha alma? Estou-te vendo ainda agora, na mesma atitude, sentindo eu a mesma sensação... oh! mas como ella vai trocar-se em prazer, em alegria, quando te vir voltar! Nem quero pensar n'isso: faz-me mal, transtorna-me. Querido, adorado amor da minha alma, não cuides que esqueço um momento das provas de amor que me dás não penses que o fiz nunca nem quando mais desvarios e loucuras te escrevi porque mil vezes t'o repettirei eu tinha a cabeça perdida; e não me deves levar em conta o que em “tal estado'escrevi.

Antes de hontem houve opera italiana em S. Carlos (que estava fechado) com uma companhia vinda do Porto: fui e pouco me diverti, mas gostei de estar alli comtudo, vendo e contemplando os logares onde te adorava, pintando-me a tua imagem em todas as attitudes em que me appareceste reproduzindo as scenas todas que alli passávamos, oh minha Rosa, sempre te amo muito É tanto, tanto o que te quero, que por “isso mesmo” às vezes sou injusto comtigo, duvidando que seja possivel amares-me tu tanto como eu te amo.

Juro-te que esta é a verdade, não creio que ninguem amasse tanto como eu e até de ti de ti que eu amo tanto me parece à vezes que não ser tudo o que eu queria. É falso, é ingano, sei que me amas muito, que me não amas menos que eu. Mas deves perdoar-me estas dúvidas às vezes e sobretudo intender bem o motivo que te não é offensivo ao contrario. E tu, meu bem, minha alma, meu amor, perdoa-me, releva todas estas inconseqüências, não creias senão n'este infindo amor que me abraza por ti. Adeus, adeus.

Não posso mais hoje. Ámanhan te escreverei uma longa carta.

Sabes que sou teu, e não saibas mais nada.

Teu, teu só teu

Mil B.

Almeida Garret

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Esta carta, cedida ao sr. Dr. Julio Brandão pelo Dr. Guilherme Poças Falcão, foi por êste ilustre escritor publicada a pág. 69-71 da 2ª edição do seu livro Garrett e as Cartas de Amor, Pôrto 1926.

Nota : A Viscondessa da Luz, D. Rosa Montufar Infante (? - ?), filha dos Marqueses de Silva Alegre, casou, em 30 de agosto de 1837, com o, então, tenente coronel Joaquim Velez Barreiros, 1º Barão da Luz, ou de Nossa Senhora da Luz, durante a residência deste em Espanha, em que exercia as funções de comissionado do governo portuguez junto do general em chefe do exercito da Rainha Izabel II.

Foi a inspiradora das Folhas Cahidas, de Garrett, dedicados Ignoto Deo, em que se encontram belas poesias de temas amorosos.

Socorrendo-nos das Memorias, de Gomes de Amorim, diremos alguma coisa destes amores.

Parece ter surgido em 1849, essa paixão funesta, como lhe chama o biografo (3.o, 255).

No Arco de Sant'Ana aparece o seu velado retrato: “E ella (Esther) era bella, de uma belleza toda judaica, toda arabe. A figura alta e esbelta, as fórmas severas, sem molleza nenhuma nos contornos, o rosto oval, a tez morena, os olhos negros, faiscantes, a testa breve, mas perfeitamente desenhada, os sobr'olhos um tanto juntos, o cabello longo, preto, fino fino de uma fartura e formosura surprehendente.”

As quatrocentas e tantas cartas que a Viscondessa da Luz escreveu ao poeta e que, depois de sua morte, foram separadas da sua enorme correspondencia, foram mandadas entregar à remetente por uma especie de tribunal secreto constituído por “três homens de probidade e bom senso”: Gomes de Amorim, D. Pedro Pimentel de Brito do Rio e Manuel José Gonçalvez. Gomes de Amorim diligenciou obter as cartas de Garrett, porèm a destinataria declarou-lhe que haviam sido queimadas na sua presença, o que não é expressão da verdade, pois existem, na Biblioteca Publica de Ponta Delgada, vinte e uma cartas que agora aqui se reproduzem.

Gomes de Amorim não acreditava na sua destruição. A pag.630-631, do 3º vol. das Memorias, volta a repetir isto mesmo, dizendo que nas mãos de um dos nossos ilustrados coleccionadores existiam catorze cartas, das cento e tantas que o poeta havia escrito.

Do livro: Cartas de Garrett, SPINA, Segismundo. Humaninas Publicações, FFLCH/USP. 1997, SP.

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Nota de Idalina de Carvalho: Achei muito interessante a grafia de certas palavras (atitude, por exemplo): num dos primeiros parágrafos de uma forma e mais no final, de outra. Transcrivi como estava no livro, acreditando que o editor tenha mantido tal como estava na carta original.

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