De Álvares de Azevedo à sua mãe

       S. Paulo, 12 junho de 1849
       Tenho a vista a sua de 3 de corrente q. com mto prazer recebi.
       Enquanto no Rio reluzem esses bailes a mil e uma noites, com toda a sua mania de fulgências e luzes, por aqui arrasta-se o narcótico e cínico baile da concórdia Paulistana.
       Nunca vi lugar tão insípido, como hoje está S. Paulo – Nunca vi coisa mais tediosa – e mais inspiradora de spleem [enfado, melancolia] – se fosse eu só que pensasse, dir-se-ia q. seria modéstia – mas todos pensam assim – a vida é um bocejar infinito.
       Não há passeios que entretenham, nem bailes, nem sociedades – parece isto uma cidade de mortos – não há nem uma cara bonita em janela, só rugas, caretas desdentadas – e o silêncio das ruas só é quebrado pelos ruídos das bestas sapateando no ladrilho das ruas.
       Esse silêncio convida mais ao sono que ao estudo – enlanguesce, e entorpece a imaginação e pode-se dizer que a vida aqui é um sono perpétuo.
       Passam dias e dias sem que eu saia de casa – mas que hei de eu fazer? As calçadas não consentem que um par de pés guarnecidos de um par de calos – como os meus – possam andar vagando pelas ruas – Fico em casa, e contudo por isso não estudo mais do q. qdo. no ano passado eu ia todas as noites conversar em alguma casa de família, ou num baile.
       Estudo sempre, contudo – porém é como a martelo, é unicamente a força de vontade.
       Diga a Nhanhã que as obras vão andando e q. prometeram-me por qualquer destes dias a toalha.
       Basta por hoje, mtas. lembranças a todos – a Exma. Sra. Nhanhã, a Marianinha, Quinquins etc. etc. e lance sua benção sobre
       Seu f. do coração.
       Maneco.
       Por aqui não há novidades, que lhe interessem além do nascimento de uma filha de Bella. Quinta-feira aqui houve teatro. Nunca vi coisa tão ruim.

Álvares de Azevedo

Do livro: Antologia da Carta no Brasi - me escreva tão logo possal, org. Marcos Moraes, Ed. Moderna, 2005, SP

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