Carta a um homem sem coração:
Senhor,
Um dia quando você passava, ficou bravo comigo porque minhas folhas caíram e forraram sua passagem.
Você se sentiu incomodado com o verde no meio de seu caminho e esbravejou.
Não teve como eu evitar, mas, decidi então fazer um tapete de ouro com minhas flores para enfeitar sua vida.
Quando você viu o caminho colorido e perfumado você disse:
– Árvore maldita que só suja minha vida.
Veio então um homem, a seu mando, e me cortou.
A pessoa que de mim tratava, sentiu, chorou, mas nada pôde fazer frente a ordem municipal.
O alto verão chegou.
Os passarinhos passavam e não mais me achavam, voavam em círculos, desconsolados por perderem seus galhos de repouso e ninho.
O sol quente batia forte sobre o que restou de meu tronco.
Então você passou feliz, colocou o pé sobre mim e disse:
– Este tronco está enfeando nossa rua.
Veio então um outro homem e decepou meu último fiapo de vida.
A rua ficou triste, vazia, sem vida e sem cor.
Os pássaros se foram, as pessoas já não sorriam.
Porque ali não mais havia a sombra, nem beleza.
Você envelheceu em sua casa nua, sem animais, sem plantas, sem cores e sem vida.
Morreu.
Em seu túmulo nada nasceu, ainda que plantassem.
Ao seu lado, uma árvore com as mesmas flores amarelas nunca mais floresceu, desde o dia que o enterraram ali: a sua sombra.
Talvez agora você finalmente tenha encontrado seu destino.
Hoje, eu sou uma energia, protejo matas, florestas e campos floridos, mas perto de seu abrigo final jamais ousarei chegar.
Vera Vilela