Carta de um poste aos candidatos
Senhores candidatos, eu sou um poste. Não que eu me orgulhe desta condição que o destino me deu, mas apesar dos pesares, eu sou um poste digno e honesto.
Esta carta é para dizer algumas coisas que não consigo mais calar. Os senhores não me perguntaram nada, é certo, mas eu direi assim mesmo. Antes de me colocarem no lugar em que estou, me ensinaram que eu era patrimônio público, portanto de todos e de ninguém. Que a minha função era segurar uns fios de telefone, TV a cabo e energia elétrica e à noite iluminar um determinado espaço da rua.
Estou aqui há anos cumprindo meu dever, mas de tempos em tempos minha rotina muda, e não é aquela mudança poética de um ninho de João-de-barro, ou algo mais trágico como um acidente. Trata-se de algumas pessoas que chegam e começam a pendurar placas no meu corpo e qual a minha surpresa, senhores candidatos? São as suas fotos e os seus números, pendurados em mim, sem nem ao menos me consultar se eu estou de acordo em poluir visualmente a cidade. Nada! Penduram e vão embora e eu fico aqui, servindo de porta-retrato de
campanha política.
Sei que a lei dos humanos já evoluiu um pouco em relação aos postes: agora não é permitido colar cartazes nem pintar os números em mim. Lembro daquele tempo: levava meses e muitas chuvas para que eu ficasse limpo de novo, hoje, pelo menos, tenho a esperança de que logo que acabe a eleição os senhores venham retirar de mim estes "enfeites".
Aproveito esta carta também para reclamar da injustiça da lei: por que só os postes da alta elite estão protegidos? Somente aqueles que possuem transformadores ou placas de trânsito? E nós, os postes simples do povo? Temos de receber suas placas sem reclamar? As leis para os homens são assim também? Servem apenas para proteger alguns escolhidos? Outra coisa, senhores candidatos: pássaros azuis me contaram que teria de ser apenas duas placas por poste. Posso lhes garantir que não é o meu caso, pois carrego pelo menos umas oito placas. Como eu fico? Já que sou excluído de uma lei melhor e os senhores ainda desobedecem aquela que pouco me protege?
Outra coisa que minha inteligência de poste não compreende é esta sucessão de números e siglas. É partido disso, partido daquilo É um tal de sou desse, mas voto naquele. Alguns são repartidos, já que metade vai para um lado e a outra metade segue para outro lado. Desculpe-me a redundância e o estilo mal acabado. É que já não sei se tudo isso é democracia ou falta de coerência. Como eu disse, minha inteligência de poste não alcança estas sutilezas da política humana.
Bem senhores candidatos, como é inevitável que os senhores me utilizem para aparecer, (e tudo indica que minha carta será inútil) então peço a gentileza que no dia seguinte da eleição, tenham-na ganho ou perdido, venham retirar suas placas, de preferência com o mesmo empenho madrugador com que as colocaram. Obrigado.
Rubens da Cunha