O Bicho de estimação - missiva ao escritor patrício

Há sentimentos, incompreensões, destinos que em nós amadurece distâncias. Não existem emoções, não existem risos, não existe desejo, não existe o suave namoro do encanto e o nada, um nada faminto, respira a triste fragrância da despedida. As lembranças, engavetadas, não sobrevivem. E nos concluímos, e o amor se enclausura em um esqueleto de silêncios, e o querer, antes vigoroso, compõe a orquestra de fraturas que em seu caminho, em seu longo trajeto, semeia feridas. Herdamos a tristeza, as artérias pulsam melancolias, pulsam saudades, pulsa o frio punhal que a carne nos fere, sádico. Dizemos mentiras que não queremos dizer e dizendo ferimos o amor que no passado tornara-se a delícia pulmonar expelida. Pensamos. Cedemos o amor ao pensamento, à masturbação de esquecer. O homem morre quando o amor não é mais que uma simples publicidade. O homem morre e com ele morre a esperança. E a esperança morre quando não sentimos, pensamos. Sou um homem de esperanças, um homem que procura essências, um homem que ama. Ama antes de pensar. Sou um homem de sentimentos, um homem que chora quando encontra sua identidade. Não sua razão. É do nosso São João Batista, Manuel Bandeira, o seguinte verso: “A poesia está em tudo”. E é do poeta da liberdade, Walt Whitman, essas palavras: “... beleza mesmo os poetas não procuram, são procurados”. E o que seria a poesia se não a essência do belo? E o que é o belo se não a maior manifestação da arte da vida, o amor? O amor, às vezes, muitas vezes, é polêmico, choca-nos como se nos fustigasse a carne. O amor, às vezes, esfrega-nos, apresenta-nos a sincera face ódio para desmascará-la, para que o ódio não perpetue seus resultados, seus cáusticos exponenciais. O amor não se corrompe, não está a venda nas padarias, nos brique-braques. O amor... Amo certamente porque sofro. Não porque penso. Discordo do escritor patrício, prêmio Nobel, com suas moedas suecas e com suas cegueiras, histerias e jangadas. Primeiro, o amor é cego, meu caro prêmio Nobel com suas moedas suecas e jangadas e histerias. O amor acredita até os quarenta e cinco minutos do segundo tempo na esperança. E se a esperança não vier, problema dela. Acreditamos, pois somos jumentos, pois somos imbecis, pois acreditamos num principio que não nos cabe razão, apenas sentimento. O homem pensa e quem pensa não encontra, evangeliza conforme sua castração. O homem que pensa faz vasectomia de sentimento. Para nós mortais, selvagens, animais o amor é princípio, um princípio uterino, um estado de necessidade antes de razão. É desejo antes de escombros e rupturas e continentes. Quem sente, procura. Age sobre as estradas do excesso e se peca, peca por inocência. Peca por querer sentir, questionar. Veja o João-de-barro, meu caro prêmio Nobel com suas moedas suecas, suas histerias, rupturas e jangadas. O João-de-barro se pensasse em construir seu casebre para abrigar amor, passaria estações, pediria ao Niemeyer não um ninho e sim um Taj-Mahal. Veja o marido da viúva negra, imagine o senhor, meu caro prêmio Nobel com suas moedas suecas, com suas jangadas e histerias, se por um acaso o senhor aranho, um dia antes da lua de mel, pedisse em seu contrato pré-nupcial uma escolta militar para escoltá-lo. Ah, sim. Esqueço-me, não é afinal o homem que pensa, não o homem animal, aquele que compra paixões em botecos e esquinas? Prefiro ser um animal. O animal não compra paixões, o animal não paga de acordo com câmbio, o animal não vê a taxa de juros, não subtrai, não quer dividir entre capitalistas e proletários o seu amor. O animal, quando em excesso ama, ama para perpetuar a estirpe, escraviza-se em sentimentos. E o homem que pensa? O homem que pensa faz vasectomia de sentimento. Não quer descendentes, não quer perpetuar a espécie. Quer uma fresca na cuca. O homem que pensa, pensa em corromper para edificar suas antárticas de pedra, em fazer liberdades com sangue, sangue e excremento. O homem que pensa... Meu caro prêmio Nobel, meu caro patrício o que é o amor, o animal selvagem, comparado ao homem que pensa, ao homem de Marx, ao homem de minorias que durante anos escravizou os filhos de sua revolução? Massifiquemos o mundo, tomemos o império, lutemos pela minoria, fuzilemos a vida e deixemos o amor. Num mundo de igualdade, todos pensam iguais. Certo? O amor... Azar o dele. Numa época de cegüeiras, o amor não vale o pão que o diabo amassou. Primeiro deve-se abrir os olhos, antes de amar. Então o cego não ama? Pensemos e não no amor. Façamos jangadas. O homem que pensa é uma massa uníssona, cega, claro. Cega... O individuo... Se dependesse de jangadas, Gandhi seria um homem comum, numa vala comum a serviço do Estado, da economia proletária, da liberdade de metralhadoras. Prefiro acreditar no amor. No amor, na minha vontade de bicho de estimação e ingenuidades.

Diego Ramires

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