Pedra Mentirosa
Alfredo,
Você fica perguntando porque estou tão estranha.
Se eu contar você não vai acreditar. Vai dizer que é bobagem, que eu me perco em chiricas e não gosto de ver o principal.
O principal é que tu não prestas, Alfredo, eu sempre soube disto mas sou muito covarde pra te deixar. Pra perder os teus braços de aconchego no meu contorno. Ah, meu pedaço, se eu te disser a verdade, vai parecer brincadeira:
Sabe aquela mulher que a gente conheceu em Paquetá, a bruxa que lia a sorte nos cristais coloridos e previu tudo sobre o nosso futuro, inclusive os onze filhos pra fazer o time de futebol que tu sonhavas? Ela disse que o nosso amor era rocha pra sempre e tu ficaste todo prosa e me jogaste na cara durante uma semana a minha falta de confiança em ti.
Pois eu estive em Paquetá outra vez, coração. Fui com a Solange, da Dona Neuza, ela queria saber o paradeiro do namorado que sumiu em Bangu, dizendo que voltava já.
Fomos as duas enfrentando o mar, todo cinzento e encrespado, a Solange enjoando ( aquela ali passa mal até com a rotação da Terra ) e a barca jogando como eu nunca vi.
Era o anúncio da tempestade que se seguiu. A mulher nos recebeu de cara amarrada. Acho que a gente atrapalhou o almoço da coroa, sei lá, tinha um rapaz de cuecas sentado na mesa da cozinha e, pelo jeito, filho dela não era.
Não sei se isto influenciou alguma coisa. Só sei que ela jogou as pedras com força e uma até caiu da mesa, rolando pelo chão. A pobre da Solange tentou pegar, levou uma bronca, ameaçou chorar e eu quase fui embora abandonando os cristais mal-humorados. Mas queria tanto ouvir a confirmação da firmeza do nosso amor que resisti aos destemperos da bruxa.
Pois as desgraçadas das pedras desmentiram tudinho que disseram antes. A mulher afirmou que tu não prestavas, que eu estava perdendo meu tempo e meu dinheiro e que havia um português no meu futuro!
Juro por Deus! não estou inventando nada, pode perguntar a Solange. Aliás, esta, coitada, caiu no berreiro quando a megera confirmou que o namorado estava perdido pra sempre, arranchado com uma coroa rica lá pras bandas da Zona Sul.
Saímos trocando as pernas e, se a barca jogou no retorno, a gente nem percebeu, tal era a tempestade dentro do nosso coração.
Agora, não sei se a velha estava a fim de nos castigar pela interrupção da sua festinha particular ou se a primeira pedra que afirmou o nosso amor era tão falsa quanto aquela dos anéis iguaizinhos que destes pra mim e pra Laurinda no dia dos namorados.
Meu consolo é que a idiota da outra pensa que é tudo de verdade.
Eu sou covarde demais pra te deixar mas, pelo menos, sei reconhecer uma pedra fajuta e uma bruxa mentirosa.
Nosso amor pode não ser verdadeiro, coração, mas eu sei usá-lo com tanta beleza que passa pelo mais puro diamante, como a pedra linda e falsa do anel que tu me deste.
Maria Helena Bandeira