Carta aos Colegas “Adormecidos”

Caros amigos de jeans e camiseta: vocês que balançam nos ônibus lotados, o excessivo peso do conhecimento em baixo do braço ou pendurado nas costas, no colo do colega, no chão do bus; às seis e meia, às doze e quarenta e cinco, às dezessete e trinta, às vinte e duas e quarenta, depois da aula de Matemática, de História, de Anatomia, antes da de Geografia, a de ICC2, a de Astronomia. Com o peso do mundo sobre a cabeça, pernas de criança se arrastando para a aula de Biologia, Latim, Imunologia, Perspectiva – “de que vale um mundo tão vasto se eu nem tenho carteira pra sentar?”.

Quinze anos de estudo, foi trabalhar na padaria, no supermercado, lavando o chão, a lanchonete, limpando os livros, apertando o parafuso, ligando a TV, acordando de manhã, balançando no ônibus. Mestrado em Semiótica, começou vendendo cigarros e acabou dando sorte: dá aula de noite pela Prefeitura e ganha quase dois salários. Doutorado em Ciências da Computação e conseguiu até exercer: a loja de sapatos usa o programinha que ela fez, e que ajudou a não perder a casa, o aluguel, o carro, a prestação.

Caríssimos amigos de caras limpas: não as esqueçam de pintar novamente, conforme surja a necessidade. Não negligenciem a crítica, a indignação – não, nem mesmo a raiva; não se esqueçam da multidão, do protesto, do voto em branco, o escambau. Não se deixem usar, não se façam de bobos, esqueçam o caminho fácil, que esse só os levará ao limbo, pra poderem se multiplicar, produzir e finalmente morrer, talvez de morte natural, talvez de bala perdida.


Fabio Camacho – 9 de Outubro de 1999

 
 

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