"POETICIDADES E OUTRAS FALAS ", POR RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata.

Coluna de 23/09
(próxima coluna: 09/10)

ANDAR EM SAUDADES

Ando em saudades de alguns escritores que já se foram, mas que em certo tempo ficaram vivos comigo. Nunca os conheci pessoalmente. Não precisei desta sorte.

Clarice Lispector e Osman Lins morreram na minha infância. Enquanto eu enfiava-me mato adentro, atrás de ninhos de anus, ou investigava os cupins, as formigas, as orelhas-de-pau, a pele que as cobras deixam no passado, os dois saiam da existência. Eu fazia meus próprios poemas com sementes, letras desconexas, mais consoantes que vogais. Minha mãe nunca conseguiu traduzi-los, entende-los, “não faz sentido” dizia-me. Adulto, fui ter esta sensação ao ler Clarice e Osman. “Não faz sentido, não pode ser tão perfeito”, Eles provocam-me uma espécie de analfabetismo de alma. Mas eu insisto, insisto e insisto e em algum dia eu vou entender a perfeição.

Na Adolescência, enquanto a timidez escanhoava meu viver, enquanto tudo que eu queria eram esconderijos fundos para fugir das aulas de educação física, enquanto o mundo ao meu redor crescia e eu ficava exilado entre as fronteiras da infância e da adultez, dois argentinos morriam. Só os soube mais tarde. Borges e Cortázar alimentam-me o delírio e o raciocínio. Quando preciso imbuir meu respirar de sonho e razão, ambos, juntos, gêmeos, leio Cortazar e Borges. Sou tragado em seus mundos oníricos onde qualquer coisa faz sentido. Se eu os tivesse lido na adolescência, teria achado um outro caminho para a vida.

Adulto. Ilha: cercado por solidões, descubro ao acaso Hilda Hilst, viveu comigo por dez anos. Trouxe-me desejo e silêncio. Parei com qualquer vontade de escrita. O que eu tinha eram os poemas de Hilda e a pergunta: o que eu vou fazer se tudo já foi dito? Minto-me diariamente que aquilo que escrevo vive. Insisto na idéia, talvez seguindo o conselho famoso de Rilke. Mas sei, que lá nos dentros, nos internos cantados por Hilda, tudo o que eu preciso é calar, invadir sua escrita-avalanche, e ser parte de um jorro único, que retrata da forma mais crua os avessos do humano.

São saudades constantes estas em que ando. Talvez venham a diminuir nos ácidos do tempo. Talvez permaneçam intactas, feito os fósseis.

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