Coluna de 09/10
(próxima coluna: 23/10)
AO VIGIADOR DA NOITE, ESTE PEQUENO OLHAR
A noite molda em concreto a solidão, o equilíbrio e a dor nos passos da cidade. Cinzuras afundam os olhos dos transeuntes enquanto mulheres caçam em calçadas: onças do sexo.
Bêbados desenham vômitos abstratos no chão ouvindo os risos dos motores. Altas horas nos baixos das ruas: na esquina onde carros diminuem a marcha, à medida que sorrisos adentram a boca das caçadoras, um homem andarilha vigiando o patrimônio dos humanos diurnos (aqueles que santificam-se no trabalho e agora dormem sonhando-se pecadores nestas ruas)
Quem é este homem que vendeu seu sono para vigiar madrugadas?
Quantos dos humanos diurnos transpuseram a barreira do sonho e neste instante são presas reais das felinas? (Quantos não querem, exatamente, felinas, mas uma espécie diversa, vindo do lado masculino da natureza?)
O que sente o homem que vigia a rua das prostitutas no seu trottoir de guarda noturno? Como equacionar o mistério que esta quadra no centro de quase toda cidade contém?
Um tal dualismo, um tal necessário jeito hipócrita de funcionar: de dia, bancos, escritórios contábeis, advogados, médicos, restaurantes, lojas para as donas-de-casa e para seus filhos e para seus maridos. De noite, fecha-se o mundo da luz e do nada surgem os possuídos do álcool, os filhos da cocaína, as meretrizes de ambos os sexos.
O reverso do estabelecido se estabelece. Apenas um homem conhece a transformação deste lugar sem ser um dos transformados. Terão estes olhos a chave do mistério? Afinal, ele vem do dia e não pertence ao dia, ele paira sobre a noite e não pertence à noite. Não deve saber-se sucursal dos olhos de Deus, vigiador dos infernos constantes nestas esquinas, ali, onde a cidade vive sua noturnidade, onde a cidade respira melhor o seu lado de dentro.