Coluna de 23/10
(próxima coluna: 09/11)
Ao Poema que espero
Estás por nascer, e eu te espero entre a ansiedade e a alegria. Sei que os úteros de minha alma são mais confortáveis que este mundo aqui fora, mas não tenha medo, venha!
Quando nasceres, eu te protegerei com desvelos de mãe, te darei palavras quentes, te amamentarei com meu leite imaginário. Farei-te humano, meu poema. É isso que desejo. Ainda não te falei que poetas grávidos são todos recobertos em esperanças? Pois te digo, meu filho: poetas desenham sempre solares estradas para seus rebentos, alguns até esquecem das noites, dos escureceres da vida, e desprotegem a cria, dando-lhes só arco-íris e manhãs. Mas não te preocupes, a ti te darei instâncias de sonhos, de subterfúgios, a ti te darei entrelinhas onde possas esconder-te dos impiedosos.
Desgarra-te logo de minhas entranhas, preciso de ti aqui, brincando sobre o papel. Tenho amigos que me perguntam: “e teu filho, quando vem?” digo que estou gestando, e gestando, que filho bom não nasce logo e nem nasce pronto. Por certo digo a verdade e nem te apresso, mas é que teus irmãos mais velhos também já me perguntam: “e o novo poema, quando vem? Precisamos dividir estes brancos com ele”.
Estou com tantas vontades de te parir que já antecipo umas dores, já antevejo teu caminho até meus olhos. Outra coisa que deves saber: poetas cegam quando não nascem seus filhos. Cegueira mesmo, daquelas de breu, de não se ver nem com a mão. E só um poema parido para trazer de volta a luz, os encantamentos, os diapasões da felicidade. Por isso te peço: não demores mais que o necessário aí dentro de mim. Eu até já te conheço nos contornos, mas é preciso que tu nasças para que eu saiba como são os teus internos. É preciso que tu me desabites para que eu possa realmente te fazer viver.