"POETICIDADES E OUTRAS FALAS ", POR RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente
no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.

Coluna de 09/12
(próxima coluna: 23/12)

As Igualdades que esquecemos

O que mais me instiga no humano é esta nossa igualdade básica. Existem dez ou onze sentimentos primordiais que permeiam todas as pessoas. O ciúme ataca um alto executivo em Boston, tanto quanto um lenhador na província chinesa de Shandong. Egoísmo e amor estão nos índios de qualquer país ou nos “junkies” holandeses. A vaidade e a gratidão caminham em parisienses ou no morador do mais distante povoado da Patagônia.

Se somos essencialmente iguais, porque ressaltamos tanto as diferenças? Por que estruturamos as nações em torno do que diverge: língua, religião, política. Mas até estas bases são iguais. Qual a real diferença entre o Judaísmo e o Islamismo? Ambos não se voltam para o Deus nas alturas? Ou qual a real diferença entre o espanhol e o banto. Não têm todos a mesma matriz idiomática? Um ponto perdido nos inícios, em que uns indivíduos começaram a mágica viagem que a linguagem está fazendo sobre a terra. As estruturas políticas dos países não se assemelham? Um grupo no comando de uma máquina invisível chamada governo, digladiando-se por poder, enquanto, nos baixos, a vida cotidiana segue inexorável.

Esta igualdade não é apenas contemporânea, atravessa o tempo. Os poemas de Safo carregam o mesmo cerne que os escritos de Virgínia Woolf. Almas iguais. É provável que elas tivessem os mesmo olhos.

Por mais que o mundo atual nos concretize em indiferença, ainda rimos iguais, ainda choramos iguais e geralmente pelos mesmos motivos. Uma seresta seduz em Montevidéu, tanto quanto em Londres. Podemos nos tornar amigos de qualquer indivíduo do planeta. O que nos diferencia pode ser superado com um pouco de esforço das partes envolvidas: as palavras são substituídas por gestos, voltamos nossa atenção para os olhos, as mãos, as expressões universais de gratidão, simpatia, compreensão mútua.

Somos tão iguais que “não” e “sim”, praticamente tem o mesmo gesto em qualquer lugar.

Qual o motivo para nossas divergências? Talvez seja nossa, também comum, vontade de violência e irracionalidade. É como se não agüentássemos a consciência. Como se o dom de não agredirmos por escolha guerreasse dentro de nós com os instintos predadores que temos. Tudo indica que o irracional sempre ganhou o jogo, apesar da arte, da alegria, de Deus, as mais belas invenções humanas. Talvez ainda haja tempo para reverter este jogo.

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