Coluna de 23/12
(próxima coluna: 09/1)
O chique de ser escritor
— Esse é o Rubens, ele é escritor.
— Escritor? Ai, Que chique!
Já presenciei o diálogo acima várias vezes. Depois do meu sorriso constrangido tento explicar que ser escritor não é tão chique assim. Nem profissão regulamentada é. A escrita pode ser exercida por qualquer pessoa, o que a torna a mais utópica e libertária das atividades humanas. Sem regras, sem códigos ou conselhos, apenas subordinada à imaginação criativa. Claro está que estas idéias são boas para manifestos vanguardistas como o surrealismo, porque na vida real aqueles que ousam escolher a escrita como profissão, além de penarem muito, não podem ter uma carteira com a profissão escolhida. Precisam atuar em algo semelhante, mas não como escritores.
Será que é por isso, esta reação do ‘ai que chique”? É como se fôssemos cristais ou porcelana expostos em armários de vidro, num canto da sala de jantar. Objetos muito mais feitos para os olhos das visitas do que para o uso cotidiano. Tira-se o pó de vez em quando, mas ficam lá guardados para uma ocasião especial que, não raro, jamais chega.
Parece que os escritores, os poetas, sobretudo, estão no imaginário coletivo como seres de luz, acima da linha do real, que não pertencem à vida diária, por isso não precisam de carteira assinada, nem profissão regulamentada, por isso estão no grupo do “ai, que chique!”. Basta-lhes este elogio. Basta joga-los dentro de uma redoma de elegância e superioridade intelectual e, pronto, estamos conversados.
Fiz uma pesquisa rápida entre alguns amigos, para saber se eles recebiam este mesmo tratamento quando eram apresentados como escritores: eis algumas respostas de meus companheiros de viagem:
O poeta Marinaldo de Silva e Silva tem uma reação muito próxima da minha:
“Na maioria das vezes oculto que escrevo, porém quando percebo que converso com alguém que entende o que quer dizer esta palavra "escritor", "escrever" e suas adjacências, então sim, posso diluir-me porque sei que perante esses, eu continuo sendo uma pessoa normal; não gosto de entre os simples parecer-me melhor que eles; faz parte dos meus chinelos”.
O escritor Luiz Donizete Mendes usa do bom humor em sua resposta.
“Não costumo ser apresentado (nem me apresentar) como escritor ou poeta, mas quando menciono que estou fazendo jornalismo, o "hummm, jornalista! ai que chiique!" aparece. Nem precisa escrever para ser considerado chiiique. Quando se referem a mim como "alguém que lê muito, inclusive uns livros difíceis", também sou classificado de chiique. Deus nos livre e guarde se alguém menciona a palavra intelectual... Me parece que a maioria das pessoas acha chiique e legal ler e escrever; acham bonito poesia e livros difíceis, mas ninguém tem paciência ou tempo, ou ainda, tiveram uma educação escolar muito fraca (há testemunho de trauma causados por uma professora da segunda série ter que riu durante a leitura de um texto e o sujeito nunca mais quis saber de literatura). Existem outras coisas que as pessoas admiram, mas para os outros: teatro, filmes iranianos, uma alimentação saudável e balanceada, quem não liga para dinheiro, voluntários em obras sociais (sem interesse político), doar sangue, pinturas abstratas, etc...”
A poeta Patrícia Hoffmann confirma o distanciamento.
“Sim, Rubens. Falam. E às vezes, algumas até se afastam... Outras, quando me mandam email, já vão se justificando, por exemplo: "não sei como começo a escrever para uma poeta, pois não possuo palavras como você"... e por aí vai. É o mito inútil que ainda impera. Para mim, acaba prejudicando em algumas relações. Inclusive em namoros. Ah, se essas pessoas soubessem o quanto é inútil, não é? Inútil na mesma proporção em que é inevitável, escrever.”
A escritora Gloria Kirinus constata algo bem interessante:
É vero, amigo escritor. Essa é a resposta. Notei também que quando digo "escritora" nos hotéis sou muito bem tratada. Quando digo professora, nem tanto”
E assim, vamos carregando a alegria entremeada com a agonia de sermos escritores num país em que esta atividade não existe legalmente e está no inconsciente coletivo como algo meio estranho feito por meia dúzia de malucos. Ah! se eles soubessem...