"POETICIDADES E OUTRAS FALAS ", POR RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente
no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.

Coluna de 9/1
(próxima coluna: 23/1)


Da série: Pequenos diálogos 1 - Os Ditadores


Roma – (talvez 44 d.C)

—  Você não manda em mim.
—  Mando! Eu sou tua mãe! senta e cala a boca!
—  Você não manda em mim.
—  Quem você pensa que é? Um pirralho, senta aí e cala a boca!
—  Você não manda em mim.
—  Tá bom! o que você quer pra sentar aí e calar a boca?
—  Fósforo.
—  Pra que você quer fósforo, Nero?
—  Pra ensaiar uma brincadeira, você vai participar dela, tá bom?

 

Espanha (primavera de 1431)

—  Volta aqui menino!
—  Não volto!
—  Vem dormir menino, para de mexer com os gatos.
—  São o Demônio, mamãe!
—  Tomás, você nem parece um Torquemada, vê o Demônio em tudo.
—  São o Demônio, são gatos de Judeus.
—  Os gatos são teus, Tomás... Vem dormir.
—  Já vou, já vou...

Alemanha – 1900, Inverno

—  Adolf, de novo você pôs filhotes de cachorro no forno?
—  São os filhotes do vizinho. São uma raça inferior.
—  Pra que isso menino? Vem limpar esta bagunça.
—  Tá bom! Tá bom! eu vou, mas quando eu crescer vou ter um forno só meu. Você vai ver.
—  Para de falar bobagem e limpa esta porcaria que você fez...

 

Iraque – Anos quarenta

—  Desce daí Sadan, vai cair e se machucar, depois sou eu que vou passar trabalho.
—  Os americanos tão vindo.
—  Que americanos meu filho? Alá seja louvado.
—  Os americanos, infiéis, corja, que venham que eu tô preparado.
—  Desce já daí, ou vou chamar o teu pai.
—  Depois eu desço, mãe. Agora não posso, tenho que ficar preparado para quando os americanos chegarem
—  Alá, por que me deste um filho maluco?

 

Estados Unidos – anos quarenta

—  Onde você vai, George?
—  Vou pro Iraque.
—  Como vai pro Iraque? Menino, isso fica do outro lado do mundo.
—  Não interessa, tenho que ir lá pegar uns caras.
—  George, sossega menino, que caras, você nunca saiu do Texas, quer ir para o Iraque?
—  Deixa mãe, eu preciso ir lá. Detonar, arrasar, massacrar. foder com a vida deles.
—  Que isso menino? Já pro quarto. Onde já se viu falar assim com a tua mãe. Anda. E de lá não sai até eu chamar. E vai lavar essa boca.       Onde já se viu?
—  Eu vou, mas quando você menos esperar eu to lá no Iraque fazendo o que um xerife tem que fazer.

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