"POETICIDADES E OUTRAS FALAS ", POR RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente
no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.

Coluna de 9/3
(próxima coluna: 23/3)


Pequenos trechos de uma insônia

(...) Calores assombram a noite no sul do país. Vejo caminhões, caminhantes, andarilhos que nunca serei. É quase meia-noite nestes metros quadrados que o destino me deu. O poema ainda é um gesto na cabeça. Ou um lapso, talvez de lá nunca saia, talvez aconteça no próximo instante. Como diria a mãe Clarice “que não me entendam, pouco se me dá”. O que quero é distância e silêncio. (...)

(...) Há um mundo rorejando ao meu redor. Gato invisível. Tigre transtornado em solidão. Há um mundo vestido de catarse, balançando um pêndulo na frente dos meus olhos. O que sou em cegueira deixo de ser sol. Como diria o pai Gullar “Uma parte de mim, pesa, pondera: outra parte delira”. O que quero é fascínio e madrugadas rotas. (...)

(...) As ruas da cidade estão esvaziadas. Dentro das casas os pecados acontecem. Um ou outro desavisado anda por estas horas. Não o imagino um igual. É apenas mais um perdido. Nada está aberto, nada está comércio. Nem as prostitutas estão vivas. Enquanto o sono não me visita, penso em Álvares de Azevedo, tão jovem, tão cria de seu tempo. E eu? Sou filho de que tempo? O de agora morre, me fez órfão. Grito para os muros o que o irmão Carlos sussurrou nos meus ouvidos: “o tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente”. O que quero é paciência e louvor. (...)

(...) No quarto, a cama, os lençóis amarrotados sem nenhuma história de amor para contar. Na parede, cartazes de filmes, fezes de lagartixas, sujeiras aéreas. Tenho preguiça de limpar. Quero dormir, preciso! Quando o dia se impuser, terei que ser comum, visível, terei que ser ‘bom-dia', ‘pois não? posso ajudá-lo?'. Terei que ser meu disfarce. Sem falhas. Sem gretas por onde saem/entram as dúvidas. Conto carneiros, penso em Breton, em Virgínia. Mantenho os olhos fechados. Acontece o sono. A insônia despede-se cantando o que minha filha Hilda lhe ensinou: "Como se te perdesse, assim te quero. Como se não te visse (favas douradas sob um amarelo) assim te apreendo brusco Inamovível, e te respiro inteiro”. (...)

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