"POETICIDADES E OUTRAS FALAS ", POR RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente
no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download,
na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.

Coluna de 23/3
(próxima coluna: 9/4)

Ontem, Hoje, Amanhã: Breves Definições


Ontem:

Águia perdida, abismo inverso, texto jogado fora. O ontem não se recupera, não retorna, não permanece além da memória. O ontem definha em antesdeontem, antontem, tresantontem até que seja passado. Esquecimento. O ontem é nossa dor, nossa máscara de arrependimento, ou nossa alegria quando revestida de saudade. O ontem costuma se agarrar nas rugas, nas rusgas, no remorso, na raiva, o ontem tem muita vida na vida humana. Em cada boca que pronuncia: “no meu tempo é que era bom”, “isso, se fosse no meu tempo não aconteceria”, faz com que o ontem germine imperativo, acredite-se necessário, faz dele espécie de sustentação invisível do viver. É como se fôssemos os verbos que conjugamos no pretérito. Melhores porque acontecidos.

 

Hoje:

Instatâneo, o hoje é sempre a encruzilhada que define o caminho. O agora, o instante-já de Clarice. O hoje alimenta-se de certeza, de decisões imediatas. O hoje tem vida curta, espremido entre o ontem e o amanhã. O hoje é a única certeza de que há vida sobre o corpo humano. É no agora que os sentimentos manifestam-se, que o homem tem consciência do mistério. É sempre fincados no hoje que olhamos e damos tanta importância ao ontem, ou que almejamos tanto o futuro. O hoje é filho pobre do destino, nele está nossa vida, mas muito pouco do nosso pensamento. O hoje requer carinho, entrega, atenção mesmo que mínima. Quando olhado o hoje revela-se carinhosamente intenso.

 

Amanhã:

Deus do homem. O amanhã é nossa morte. A certeza única. Até lá é sempre um caminhar de construtor, de arquiteto do destino. O amanhã é abstrato como a palavra esperança. Não está na memória como o ontem, não está na vida como o hoje. Está na imaginação de muitos, ou na vidência de alguns. O amanhã está lá, para além dos olhos físicos, para além do que podemos ser. Desejo contumaz. Escuro azul, o amanhã não tem filhos embora espelhe-se tanto nos filhos dos humanos. O amanhã condensa-se em tecnologia, em ciência, aparece rapidamente quando um átomo é identificado, quando uma célula é esmiuçada. O amanhã é a clonagem do sonho. O amanhã mais que partir o amanhã é feito inteiro de respiração. Enquanto o ar estiver conhecendo nossos pulmões o amanhã será vivo.

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