"POETICIDADES E OUTRAS FALAS ", POR RUBENS DA CUNHA

Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmente no Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download, na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.

Coluna de 9/4
(próxima coluna: 23/4)

Despedida

Certo tempo havia em que nossos corpos vasculhavam as profundezas do amor. Tempo deserto. Areia e miragem. Ilusão macia cariciando a pele interna de tudo.

Certo tempo havia em que as palavras se manifestavam vastas, vistas de ângulos nada obtusos, tudo se compreendia antes e depois da entrega.

O que tínhamos eram uns artifícios, umas artimanhas quase imundas, pois que de assepsia não sobrevivem dois corpos peregrinos, perdidos, perdizes nos campos do Senhor.

Certo tempo havia em que o tato era o comandante da linguagem, os ouvidos generais do sentir, os olhos, espiões de escuros sonhos. O olfato transitava bêbado entre as múltiplas dálias que trazíamos sobre os sexos. E o paladar ficava apenas à sombra, festejando vitórias. Fogueando beijos.

Tínhamos tempo para bruxedos, poemas, filmes noir da década de vinte, tínhamos brinquedos e folhas em branco.Sorrisos múltiplos, silêncios e conversas assassinadas pelo prazer. Neste tempo, os elementos naturais, Deus, Lúcifer e demais invisíveis comerciavam seus desejos em nós. Éramos território livre para batalhas. Vencíamos sempre.

Certo tempo havia em que o fluxo emanava de nós e a nós retornava, um tanto de alma, outro de alimento. Um tanto de tigre outro de sol. Ensolarávamos muito quando existíamos neste tempo.

Porém, tudo que amanhece chega à noite. O círculo, o circo da vida impõe seus atalhos. De tanto se lapidar, o diamante some. Somem os amores quando estacionados na perfeição. O que temos agora é poeira na memória, panos brancos cobrindo os móveis. O que temos, neste tempo que agora há, é um certo desânimo. Uma certa intradução vivida na palavra saudade. Sem a velhice como desculpa, sem a juventude como remédio. O que temos é a perda sólida do que fomos. Sem resgate possível, sem pagamento de promessa para milagres falhos.

Não há tristeza suficiente para a interrupção da vida. Não há coragem suficiente para um retorno às raízes. É propício que nos despedimos. Proponho o encarceramento deste amor naqueles neurônios que dominam a melancolia e a resignação. Fomos felizes no tempo que nos coube. Erramos por achar que o infinito era um caminho viável. Se tenho tristeza, é de saber que o verso de Vinicius não passa de uma frase de efeito.

« Voltar