"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA


Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmenteno Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download, na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.

Coluna de 9/5
(próxima coluna: 23/5)


Três pequenos delírios sobre reencarnação

 

1

Estou velho. Dentro da memória vejo uns ranchos de chão batido, cavalos no pasto, invernos. Tudo faz a saudade tremer. Agora, próximo da morte, com os ossos, os músculos, os olhos gastos, percebo que fui completo em tempo de menos. De certeza: a morte bem próxima. De saudade: todas as lembranças das coisas que deixei de ser neste e noutros tempos. Tomara que voltem em breve. Tenho fé num retorno mais corajoso.

 

2

Vasculhos túmulos. Não para roubar ossos, ou as letras de metal das lápides, ou o mármore das catacumbas. Vasculho túmulos para ver se encontro a saudade das vidas antigas: aquelas que dizem, vivi e que a memória física não trouxe comigo. Não sei porque fui castigado com tal absurdo: o de não lembrar a mulher, o rei, o serviçal, o soldado, a poeta estuprada que fui nos dias de antes do meu nascimento. Vasculho túmulos, porque ouvi certa vez que nos cemitérios é possível encontrar os portais para o passado. Julgaram-me louca, absurda, herege. Devolvi todos os xingamentos na mesma ordem. Tudo o que interessa é minha procura: um dia acho o portal e resgato tudo o que fui. Um dia acabo o castigo. Se eu morrer antes, tudo bem, continuo lá, no futuro, a minha vasculhação.

 

3

Tenho seis meses de idade. Não falo ainda a língua destes que me rodeiam. Não sei bem porque me fervilham estas memórias. Percebi que conforme cresço, mais me distancio da vida anterior. Vi a que chamam de mãe explicar para o que chamam de irmão o que era saudade. Agora sei o que sinto. Saudade. Bonito isso, quando chorei pela primeira vez eu tinha muitas lembranças. Seis meses depois, sentado neste berço, tudo o que tenho é saudade. Olho para aquele que chamam de pai e tenho a certeza que logo serei esquecimento. É o preço que se paga pela vida.

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