Coluna de 23/6
(próxima coluna: 9/7)
A chegada
O amor chegou tosco, agredido em chagas, xucro, desacostumado de montaria, eqüino mesmo. Chegou galope por sobre o peito. Invadiu os pastos do sentir. Não respeita cercas, o amor. Não pede honrarias de sela. O amor quer grama verde, água de frescores, exige liberdades de pássaro para seus cascos de vento. O amor alimentou-se e partiu deixando-me esgoto de lamentações. Acho que está bom: metafórico, eloqüente, hermético na medida certa. Melhor é o elogio que faço a mim mesmo: estou desprezado, por isso escrevo, cristalizo coerências para o amor. O sentimento quadrúpede que me devastou e agora anda por planícies distantes. Tento a recuperação, tento a esperança, a simplicidade nada poética do recomeço e o que me surge? A escritura corrosiva do amor arrebentando carnes e saudades, feito drusa milenar. Desisto de ser simples, escrevo o que não traduzo: O amor afaga a lua dentro do leopardo. Escrevo o que não me traduz: o amor contradiz montanhas e sóis de dezembro. Estou abstrato demais. A dor cega a razão, frase profícua em verdade, mas que não me fotografa, que não revela o arcabouço de penúrias e abandonos que se arquitetam em meu corpo. Um artefato, um começo de nada, uma ponte caída. Ausência dizendo e redizendo que somos cavalo. O amor é cavalo. Amar é dor. Dor é desistência.