"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA


Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmenteno Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download, na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>.

Coluna de 23/07
(próxima coluna: 09/08)

DA SÉRIE: AS PALAVRAS FALAM - 1

SAUDADE: Sou uma palavra solitária. Dizem que eu só existo em português. Que outros idiomas não conseguem expressar os significados que carrego com apenas uma palavra. Precisam de frases, de expressões inteiras. Eu sei que estou em todos, nos índios norte-americanos aos chineses. Mas só existo concretamente em quem fala o idioma português. Isso me assusta, me condói, queria ser universal. Até ter muitas faces como o meu amigo amor, mas não consigo. Existo apenas aqui, nesta língua obscura. Não compreendo porque tive este azar na vida.

ESPERANÇA: Sou a muleta dos humanos. É isso que eu sou. Vivem e se agarram em mim como se eu fosse salvá-los. Os humanos me têm como sinônimo de Deus, quando sou bem é outra coisa. Minha maior raiva é que eles me colocam nuns poemas muito ruins rimando com criança. Sempre alegre e sempre feliz. Estes humanos me dão nojo. Se soubessem quem eu realmente sou, estes pulhas não me sentiriam.

VASTIDÃO: Eu sou eu. A grande. A perfeita. A única. Carrego nas costas todas estas coitadas pessoas. Cortadas se não me conhecem. Sou amada por poetas nômades. Bonequeiros, músicos, pintores. Eu sou eu. Para me conhecer melhor faça igual ao meu amante o silêncio. Percorra-me sem restrições, xingamentos. Acaricia-me que eu lhe mostro o infindável.

SE: Não prestam atenção em mim. Quase nunca, quer dizer. Mas quando se bifurcam em dívidas, os humanos aí me percebem. Se eu for por aqui, se eu fizesse isso, se eu não tivesse tomado aquela decisão. Aí eu existo na fala deles. Não gosto, sabe, ser escreva das escolhas, dos arrependimentos. Eu queria era ter vida livre como o Sol, o Si, o Só, o Sim. Vivem e não dependem de nada.

LÁGRIMA: Existe alguém mais bela do que eu? Tá, eu sei que isso é frase de bruxa, mas sinceramente, existe alguém mais bela do que eu, quando escorro cachoeira no rosto dos infantes. Ou me seguro nos cílios das mulheres abandonadas? Fala! Se você encontrar palavra mais intensa, mas líquida. Nem o mar, meu amor, nem o mar tem os meus sais e a minha beleza.

VIDA: Sou tímida, não gosto muito de falar de mim. Dizem que sou importante, que sem mim, nada viveria. Tenho cá minhas dúvidas. Desculpe, sou tímida. Não gosto muito de falar de mim. Não me acostumei com toda esta importância que me dão. Desculpe, sou tímida.

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