"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA


Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmenteno Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download, na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>. Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 09/09
(próxima coluna: 23/09)

“Certas canções que ouço, cabem tão dentro de mim, que perguntar carece: como não fui eu que fiz?”

“Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu”, o verso inicial de Roda Viva não lhe saía da cabeça. E não era somente esta canção, mas muitos retalhos de outras que lhe construíam a alma. “Sou um homem comum, qualquer um, enganando entre a dor e o prazer, hei de viver e morrer, como um homem comum, mas o meu coração de poeta projeta-me em tal solidão”. A melodia de “Peter Gast” era tão parecida com ele, tão sinuosa e triste.

“Parece cocaína, mas é só triteza”, estampou certa vez numa camiseta, carregava sua verdade adolescente no peito. Hoje não tem mais ilusões. “Quem quiser que pense um pouco, eu não posso explicar meus encontros, ninguém pode explicar a vida num samba curto”.

“As coisas que eu sei de mim são pivetes da cidade, pedem, insistem e eu me sinto pouco à vontade fechado dentro de um táxi numa transversal do tempo”. A existência lhe corroendo, ferrugem nas paredes internas. Pequenos assaltos, sustos, demasiados fingimentos, não só ele com ele mesmo, mas com os outros, com as emoções, sentimentos, esta parte importante da vida, feita de tantos erros que era uma 'des-parte'.

Orgulho demais. “Tire seu sorriso do caminho, que eu quero passar com a minha dor” e lá ia ele chorando, “a cabeça de pé e o coração de joelhos”, mas lágrimas pouco eram vistas, “ali onde ou chorei, qualquer um chorava, dar a volta por cima que eu dei, quero ver quem dava”. A bandeira do vitorioso desfazia-se sempre à noite, sozinho. “Ah, o arco-íris virou quebra-luz”

Tinha vontade de sair mundo a fora, mas ficava “sentado à beira de um caminho que não tem mais fim, não tem mais fim”. Feito estátua, não sabia amar, não sabia ser homem livre, não sabia ser. Todos a sua volta contentes, satisfeitos com a condição humana, dizendo-lhe “Felicidade é uma cidade pequenina , é uma casinha, é uma colina” sabia disso, queria isso, mas não conseguia, ouvia canções de bem estar, Enya, Kenny G, mas tudo o que vinha na cabeça era “rancor cisticircose caxumba difteria, encefalite faringite gripe leucemia, o pulso ainda pulsa”.

Um dia quem sabe conseguiria livrar-se do estigma, da impureza destas noites eternas. “O sol há de brilhar mais uma vez”, até lá, seguia cantando para enganar-se: “é a vida e é bonita, é bonita, é bonita.”


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