"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA


Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmenteno Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download, na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>. Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 23/10
(próxima coluna: 9/11)

A VIAGEM DO EU EM MIM

“Se chegarem as gentes diga que vivo o meu avesso”

Hilda Hilst


Malas prontas. Elástico no braço. O Eu derretido na colher. Cacto injetado no caminho de carne. Dejeto milenar. Pó.

— Dá-se início agora a viagem ao avesso.

Mãos: asas que me acompanham. O Eu conhece suas batidas e a necessidade de escondê-las do vento. Tremores. Friezas. Desiste então do falso vôo e quase preso nos dedos encarquilhados foge galopando na dor das unhas roídas. Sons. Vermelho líquido. O Eu procura no coração aquilo que chamam de amor. Vastidãodesertosangue é o que lhe cega. Visão da ausência. Sede. Fome. Mergulho no fétido. Ácidos e vulcões. Corredeiras e cinzas. Mucosas e transparências. Hospedado no apêndice o Eu inflama de medo. Trêmulo. Escapa do terror e me sabe a febre. Banha-se no mar de neve das minhas gônadas. Vasos de sangue. Estupor rijo. Convulsões nas cavernas. Morcegos preparam o vôo à parede. No escondido do escroto o Eu sememasturba. Descida. Aloja-se nos rios embaixo das minhas patas. Mesmo na água respira a terra dos caminhos. A lama lhe doma a boca. O pisar lhe explode a palavra. Cansado dos baixios, o Eu me sobe. A caminho da esfera: Cisterna de nítida umidez. Cartilagem cortada. Canos remontados. O abismo visto de baixo. Içado pelas cordas da voz, o Eu aproxima-se da serpente salivada. Olha o escuro nas costas e se percebe antecipação do vômito. Céu chuvoso. Árvores brancas que mastigam o branco. No rio, a serpente se move. Temendo o fétido já visto, o Eu escala o vento comido pelas narinas. Ultrapassa tufões. Montanhas de florestas. Chega na ártica retina, degela a íris viciada no externo. Apaga-me o túnel e no trem das artérias segue em direção ao centro da catástrofe. Centro circular. Nos encravados lunares do encéfalo, encontra estrelas, raízes, vias elétricas tecidas de luz, chuvas nas violetas do sangue. Onde o sofrimento? O desespero? A paixão? Onde a dor que me guia? O que será que me vive se sou carne e não sei me sentir a carne? Desfacelado de múltiplas viagens, o sem máscara recebe a verdade da nudez. Agonizado na escolha do atalho, temendo a morte do disfarce, o eu suicida-se em 1, e apenas 1, dos 7 precipícios erigidos no dentro invisível da seringa vazia.

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