"POETICIDADES E OUTRAS FALAS"
RUBENS DA CUNHA


Reside em Joinville, SC. Autor de "Campo Avesso" e "Visitações do Humano". Acadêmico de Letras. Escreve semanalmenteno Jornal A Notícia e coordena o Grupo de Poetas Zaragata. Na Web tem o e-book: "A busca entre o vazio", disponível para download, na URL: <http://www.arcosonline.com/index.php?option=content&task=view&id=146&Itemid=>. Blog "Casa de Paragens": <www.casadeparagens.blogspot.com>.

Coluna de 9/11
(próxima coluna: 23/11)

Eleanor Rigby da Silva

Eleanor Rigby da Silva e John Paul Machado convidam para seu enlace matrimonial que acontecerá dia 20 de Janeiro na Paróquia Sagrado Coração de Jesus, às 18:00h. Eleanor lendo o convite de seu casamento ainda não acredita. Está vestida de noiva, dentro de um táxi indo para o momento que sempre sonhou. 45 anos, órfã, sem irmãos ou parentes próximos, Eleanor nunca tinha conseguido conhecer um homem decente, trabalhador e honesto, até que num dia chuvoso, há três meses esbarrou em John Paul. Os olhos saltaram, a pele tremeu, Eleanor tinha certeza que já não ficaria mais sozinha na vida. A paixão tomou conta dos dois. Não perderam mais tempo, John queria já ir morar na sua casa. Só casando, foi o que disse. Eu te amo, você é o homem da minha vida, mas só casando. Apaixonados, prepararam tudo, papéis, convites, a festa, a igreja. É certo que a maior parte das coisas foi paga por Eleanor, já que John Paul estava desempregado. Fase ruim, logo passa, pedreiro bom, as pessoas precisam de casa, logo arruma trabalho. Os três meses passaram voando. Agora Eleanor já avista a igreja. Bem na hora, sabe que é tradicional a noiva atrasar, mas não ela, não depois de mais de trinta anos sonhando com isso. Paga o táxi, último dinheiro, gastou tudo com a cerimônia. Não faz mal, é uma só vez na vida. Sozinha, na frente da igreja, ajeita o vestido simples, o véu, o buquê de flores do campo. Lembra-se do orgulho de ser virgem. Pensa nos pais, nos irmãos que pouco conheceu. Não sabe o que fazer com o convite. Vê a amiga Lucy, sorri, vai pedir que segure o convite, não sabe porque trouxe isso. Lucy parece nervosa. O que foi? Como não veio? Disse o quê? Que se arrependeu, voltou pra onde? Explica direito Lucy? Mulher onde? Eleanor treme, desespera e quase desmaia. O sonho desfeito. A ilusão de nunca mais ser solitária desfeita. A vergonha frente aos poucos convidados: uns amigos do trabalho, a vizinha e Lucy. Entra na igreja, todos com palavras piedosas. Chora, pede desculpas, não entende. Perguntam se precisa de algo, diz que não, insistem, pede para ficar sozinha. Aos poucos a igreja fica vazia. Eleanor sentada no primeiro banco olha os arranjos, as velas, as imagens dos santos. Não é pra ser feliz mesmo. Resignada volta pra casa. Nunca mais estas coisas de casamento. Eleanor tira o vestido, vontade de rasgar, lembra que é alugado, dobra-o e guarda na caixa. Amanhã devolve. Sobre a cama a camisola vermelha que comprou. Não veste. Chora a dor do abandono. Liga o rádio como sempre faz todas as noites. Ouve uma canção em inglês. Não entende nada, mas canta junto: “Ah, look at all the lonely people”.

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