Coluna de 23/12
(próxima coluna: 9/1)
Bom Exemplo
Conheceram-me logo por quem não era
e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara
estava pegada à cara.”
Álvaro de Campos
Marilsa vive de aparências. Levanta mais cedo para maquiar-se antes que o marido e os filhos acordem. “É preciso que não me vejam envelhecendo, que exemplo vou dar aos meus filhos se parecer velha, e meu marido, tanta menina nova por aí!”. Pronta, prepara o café para a família. Há anos é assim, construiu a rotina como quem constrói uma máscara. O marido segue para o trabalho, os filhos para a escola e Marilsa segue sua rotina doméstica. Certos dias, algo tranca a respiração, um pensamento imperfeito se incorpora na alma: “Os filhos estão crescendo, um até já namora, logo começam a sair de casa”. Marilsa apaga rapidamente as dúvidas: “Não me abandonarão nunca”. Seu suporte vespertino é a televisão. Ás vezes, recebe amigas. Não gosta, parecem fúteis. Marilsa não é fútil, apenas aprecia estar sempre maquiada, sempre aparentando menos idade do que tem. “O marido... Os filhos...”. Ontem, no jantar parte da rotina quebrou-se, parte da máscara facial de Marilsa rompeu-se. O filho mais velho disse que iria sair de casa, morar sozinho, experimentar novos desafios. O marido apoiou. Marilsa que começava a mastigar algo, interrompeu o movimento da boca, engoliu, e entre a surpresa e o desespero disse quase num sorriso: “Tudo bem, assim vou ter mais espaço em casa”. Todos riram felizes. A máscara que Marilsa construiu sobre a face também esboçou um sorriso, mas por trás do rímel, por trás das sombras para os olhos e do batom, a mulher de meia-idade, solitária, percebeu-se nua, abandonada. Quis pedir ao filho que ficasse. Quase chorou. Conteve-se, porque lágrimas borram a maquiagem e chorar denota fraqueza. “Que exemplo vou dar à família se parecer fraca?”.