Coluna de 9/1
(próxima coluna:23/1)
BREVES RESPIROS PARA O COMEÇO DO ANO
A ILHA DISTA
Tebas, Tirésias, qualquer parte perdida na memória do mundo é mais próxima de mim, que teus olhos ameixados, teus dentes e pêlos. O amor que te tenho é um ritual em Atlântidas desaparecidas, um todo azul cercando saudades, um quase pássaro envolto em dúvidas: volta? quando meus olhos de homem macerado se apaziguará em sua imagem? quando meu corpo coberto de nódoas e rotinas irá se amparar no conforto da sacerdotisa, no templo fundo do prazer? por que se ausenta tanto neste DeusTempo? Não tolero distâncias. Muito mais a tua que sempre me irresponde vazia e vasta feito Avalon em dias de inverno, quando o frescor dos frutos, o vigor do trigo, é apenas uma exigüidade na mente dos ilhéus. Estou assim, margeado em funduras tristes. Não tolero distâncias. A tua me sucumbe Arthur desprezado para o sempre.
A VOLTA
Viu as nuvens no horizonte. É hoje, hoje eu volto a ser o que era. Colocou-se nua no jardim esperando a chuva. Cada trovão um estremecimento de raio sobre a pele. É hoje, hoje eu volto a ser o que era. Quando começaram a cair as primeiras águas, chorou. Depois, já toda encharcada, dançou, sapateou sobre a grama. Matava a sede de chuva. É hoje, hoje voltei a ser o que era. A chuva cessou. Ficou assim para sempre: animal feliz. Voltada a ser o que era.
BELEZA E VERGONHA
Então é isso? Meter-se nos escuros. Então é isso? Um forno de carícias. É isso que meu espírito considerou vergonhoso até agora? Sempre fugi. PerdãoPai. PerdãoPai. Pequei em pensamento. Flagelava-me. As costas e a alma. Carne fraca merece castigo. Era Deus que gritava em meus frágeis ouvidos. Nas costas ainda cicatrizam as últimas chibatadas. Então é isso? Eu sabia, meu coração considerava a beleza. Escondido sempre. Então é isso? O que este outro faz ajoelhado em mim? Reza em meus inferiores? Em meus infernos? Então é isso? Ter um igual aumentando desejo no meu entreaspernas. PerdãoPai. Tenho vergonha, eu sei. Mas tenho muito gosto nesta boca que agora me suga onde não posso sugar-me.
CARTA AO AMADO
Amado,
Por que andas tão afastado de tudo? Tão distanciado dos amarelos, aqueles que invadiam nossas manhãs? Não te lembras nem sequer de nossas manhãs? E pensar que varríamos os quintais, ajuntávamos as folhas, replantávamos algumas rosas que não vingaram, sempre nas manhãs de sábado, agora nada disso se faz matéria de lembrança em ti. Por que o afastamento? Não te penso de volta, mas apenas peço uma explicação, simples, espontânea: “afastei-me de ti, pois não mais desfaleço ao olhar-te”, “afastei-me de ti pois que outras paragens carrearam-me em seus destinos e não consegui levar-te dentro do meu sentimento”, é isso, podes fugir-me, mas deixa-me ciente. É este amargor do não saber o motivo do afastamento que me corrói, te vejo por aqui, mas tua alma, tua cor de vida se aconchega em distâncias que não percebo. Este teu muito silêncio: “não é nada, impressão tua, continuo o mesmo”, esta tua vasta mentira saindo de tua boca, podes mentir-me meu amado, mas teus olhos são denúncias vivas de que me enganas, de que te afastas de mim feito pássaro em migração. Vai, segue teus atalhos de liberdade e deixa-me em invernos de dor. Mas antes de ir, confessa-me o motivo: dá-me esta alegria pelo que vivemos: Por que andas tão afastado de tudo?