Contava meu pai a estranha
estória de um certo Dr. João Luiz, conhecido seu, advogado,
casado, pai de filhos, de tradicional e rica família de seringalistas
que, depois da morte do pai voltou da Europa para o Amazonas.
Pois falava vários
idiomas aquele homem, aquelas línguas indígenas, a língua
dos Cintas-Largas, a dos Parecis, dos Nambiquaras, dos Caxinauás.
Consta mesmo que ficou dois anos entre os Suruins, os que não admitiam
contato civilizado.
Era proprietário
do navio 'Barão do Abunã', dentro do Rio Abunã, um
rio cujas embarcações tinham de ser construídas lá
mesmo, pois não passavam da Cachoeira de Fortaleza do Abunã,
zona limítrofe entre Brasil e Bolívia.
As terras do Rio Negro,
tributário do Abunã, eram dominadas pelos perigosos índios
Pacaahuaras, que não se fixavam em nenhum lugar.
Certa vez, pois, esse João
Luiz encontrou, na Praia do Cuco, belíssima indiazinha pacaahuara
por quem se apaixonou.
Quiseram impedi-lo, mas
foi ele até à praia, onde doze guerreiros o observavam, arcos
retesados.
Porém João
Luiz não os temia. Deixa oferecimentos na pedra, diz que volta no
dia seguinte, mesmo lugar e hora, com mais coisas.
Estranho homem, aquele.
No dia seguinte, encontra
velhas pacaahuaras e guerreiros.
Não, não parecem
agressivos.
Percebe João a menina,
naquela verde sombra, entre as árvores, e a chama para si.
Ela sorriu.
Cego de paixão -
por quanto nos faz o amor! - salta da canoa, vai em sua direção.
Os machos emudecem, tensos, estátuas.
Mas não, ele não
se atemoriza.
Tira do bolso colar de pedras
coloridas, cintilantes. Oferece à indiazinha, mas uma das velhas
tira o colar das mãos da moça.
João Luiz, então,
oferta à velha um excelente canivete. A indiazinha sorriu, concordando.
João diz seu nome. Aponta a moça. A velha diz que ela se
chama Iviti, e... pergunta se ele quer fazer 'curumins' com ela.
Pronto. Foi quando a guerra
acabou, todos caíram na gargalhada, velhos amigos que fossem.
Era o Contato.
Acrescenta a velha, entre
risinhos finos, que ele tem de casar-se na aldeia, que a menina era prometida
a outro, de quem ele tem de comprar.
João teria de ir,
sozinho, à maloca, meio dia de viagem, pedi-la ao tuxaua... Voltasse
dias após, depois, esperasse ali, lá, na Praia do Cuco, pela
resposta.
O amante ardeu, voltou,
armou um tapiri, colocou oferecimentos em grandes caixas, esperou ansioso.
Sonhava com Iviti nos braços. Ela era uma princesa.
Esperou na praia, seus homens
ao largo, na lancha.
No quarto dia apareceram
os índios e João Luiz sem mais demora sumiu com eles pelo
mato. Ora, já tinha feito isso outras vezes. A menina tinha o esplendor,
o luminoso da floresta amazônica, toda força verde, a graça,
a leveza, o sorriso, o luzir da pele, os cabelos lisos e brilhantes, o
ventre gracioso que até a curva do sexo seguia com elegante deslizar,
as curvas perfeitas das pernas e nádegas, e, principalmente, aquele
sorriso que nascia dos olhos negros e convidativos como só os seres
amazônicos sabem ter. O sorriso convidava ao mergulhar naquelas águas
negras e misteriosas: Ele estava cego da mais comovente paixão...
Meses depois, um grupo de
seringueiros o encontrou, feliz, nas cabeceiras do Rio Pacaahuara, já
chefiando um grupo de guerreiros.
Mas lá João
soube que seus bens tinham sido usurpados pelo sócio, que sua família
passava necessidades, em Manaus. Logo teve permissão do tuxáua
para sair, mas não para levar consigo Iviti. Recuperou bens materiais,
mas não os espirituais.
Não, nunca mais encontrou
Iviti, nem os Pacaahuaras.
Durante anos os procurou,
no Abunã de fundas matas impenetráveis.
Finalmente entristeceu,
desistiu, degenerou.
Na última vez que
meu pai o encontrou estava no trem que segue de Porto Velho a Guajaramirim.
Não o reconheceu. Estava bêbado. Demente.