Para espancar canseira de viagem, tenho lido, com vagar, com sonhar, um
dicionário de sinônimos. Não obra de alta filologia,
orgulho do saber, Leite de Vasconcelos, Said Ali, Serafim da Silva Neto,
Nunes. Mas obra popular, modesta e barata, o "Grande dicionário"
(que é pequeno) de Osmar Barbosa, da Ediouro.
Não, cara leitora, não foi de lá que tirei aquele
«espancar», no sentido de «afastar». Não.
Ele nem possui a palavra «espancar», talvez porque o prof.
Osmar Barbosa era homem bom e calmo, educado, cordial e manso, quando naquela
época o conheci.
Tirei aquele "espancar" das marionetes, dos penduricalhos das minhas fantasias
filológicas, como gosto, e com gosto, porque escrever é gostar
das palavras, do palavrear, do frasear, do fazer frases, ler os dicionários,
coisa vã de quem não tem mais o que fazer.
Mas era o prof. Osmar Barbosa homem de bom papo, já com certa idade,
quando o conheci, na década de 60.
Trabalhamos juntos, naquele "Curso Daltro", de boa memória, que
ficava nos altos de um edifício na Av. Presidente Vargas, lá
quase esquina de Rio Branco, à esquerda de quem sobe em direção
à Central.
Eram várias salas, aquele "Daltro", nome do dono, rapaz magro e
cavalheiro, que estaria milionário se hoje prosperasse o "curso",
como cresceram o Hélio (que era da mesma época), a Gama (muito
anterior), e outros que viraram enormes Universidades.
O "Daltro" mantinha curso "por correspondência". Mas seu forte era
a preparação para a carreira militar, para o curso de sargento
especialista.
Lá lecionava o Navega.
Gordo, voz grave, sorriso amplo. Gostava de brincadeiras. Notáveis.
Perigosas.
Um dia, e em plena ditadura, como não conseguia estacionar, aproxima-se
dos soldados do Ministério da Guerra e grita, grave e autoritário:
"Ó praça!", grita. O rapaz perfilou-se, bateu continência:
"Qual é a minha vaga?" Os soldadinhos, pressurosos, nervosos, imediatamente
descobriram a vaga daquele que deveria ser uma autoridade da mais alta
patente.
O Navega ria-se, aquela gargalhada.
Outra vez, na porta do restaurante, uma fila: "Você não vai
deixar o Senador Sousa esperando na porta, não é?",
perguntou para o gerente. "Absolutamente", respondeu o homem.
Navega era grande contador de estórias. O filho lhe pedia o carro
emprestado para ir ao Fundão: Ele descobriu, depois, que naqueles
dias não havia aula. O garoto ia e voltava, no mesmo dia, com a
namorada, para sua casa de Cabo Frio.
Não sei onde andam aqueles amigos.
Osmar Barbosa, capixaba de Vitória, nasceu em 6 de outubro
de 1915, estaria muito idoso, hoje. Professor de várias línguas,
tradutor, romancista e poeta, autor de muitos livros, diversas traduções.
No seu dicionário, escrever, escravo e escrita são vizinhos.
Eu diria: sinônimos. Afinal, escrever para quê? Por quê?